Por mais Alziras em 2018

 

 

 

 

Em 1928, no município de Lajes, interior do Rio Grande do Norte, uma mulher de 32 anos, viúva e mãe de quatro filhas, realizava um feito histórico: era eleita a primeira prefeita mulher de toda a América Latina com 60% dos votos. Apoiada pelo movimento sufragista brasileiro, na figura de Bertha Lutz, Alzira Soriano de Souza ousou lançar-se à vida pública, abrindo caminho para a representação da mulher na política, em uma época em que nem o voto feminino havia sido conquistado. Quase 90 anos depois dessa conquista histórica, e às vésperas de um novo ciclo eleitoral no país, cabe perguntar: como evoluiu a representação feminina na política desde então?

Embora sejamos 53% do eleitorado, as mulheres governam atualmente apenas 11,5% dos municípios que concentram menos de 8% da população do país. Nas câmaras municipais, não chegamos a 14%. Sob a ótica racial, o abismo é ainda maior: 0,13% das candidaturas a prefeituras em 2016 eram de mulheres pretas e pardas, conforme aponta levantamento feito pelo Inesc. Na Câmara Federal apenas 10,7% das cadeiras são ocupadas por mulheres e 14,8% no Senado, o que coloca o Brasil muito abaixo da média mundial de presença de mulheres no parlamento. No ranking “Mulheres na Política”, da União Interparlamentar, que inclui 172 países, ocupamos a vergonhosa 154a posição. Na América Latina, o Brasil apresenta um dos piores indicadores nesse quesito, à frente apenas de Belize e do Haiti.

Os dados revelam que, apesar de tantas conquistas do movimento feminista e de mulheres no Brasil, a luta por maior representação feminina na política segue atual e necessária, já que os espaços de poder ainda permanecem desigualmente ocupados por homens, em sua grande maioria brancos, evidenciando o imenso déficit representativo de nossa democracia.

As mulheres que arriscam se lançar à carreira política encaram uma série de barreiras que vão desde uma divisão desigual de tarefas domésticas no âmbito privado, passando pela falta de apoio intrapartidário para acessar recursos de campanha, até dificuldades no exercício do mandato, onde se espera que tenham uma atuação circunscrita a temas ditos “femininos”, tendo que reafirmar sistematicamente o lugar de eleita e capaz. Na mídia, a exposição das mulheres na política resvala, muitas vezes, para o escrutínio de características físicas e comportamentais, dando destaque para penteados, vestidos e tantos estereótipos de gênero como o que assistimos durante o processo de impeachment da primeira mulher eleita para comandar a presidência do Brasil.

Na atual crise política e de representação, diferentes movimentos vem pautando a necessidade de uma mudança na política. Essa urgente renovação deve passar por garantir condições reais para que mais mulheres, em toda sua diversidade, ocupem espaço nos governos, com o devido respaldo na partilha dos recursos dos fundos de campanha, do tempo de televisão na propaganda partidária, entre outros aspectos estruturais. Em 2016, houve uma redução de 3% das prefeitas eleitas e uma queda do número de vereadoras eleitas em 50% das capitais brasileiras. Nas Assembléias Legislativas, o número de eleitas caiu de 12,8% em 2010 para 11,3% em 2014. Esse retrocesso não pode se repetir em 2018. A reinvenção da nossa democracia não pode prescindir de priorizarmos de vez esse debate.

*Cintia Melchiori, Clara Carolina de Sá, Marina Barros e Michelle Ferreti são fundadoras do Instituto Alziras, uma associação sem fins lucrativos com o propósito de ampliar a representação feminina na política, por meio do fortalecimento e da ampliação da visibilidade de mandatos de mulheres, além do desenvolvimento de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero no Brasil.

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