Por Antonio Martins | Vídeo: Gabriela Leite
Você quer optar por manter-se melancólico – e crer que o duro esforço de recriar a esquerda é inútil, porque o mundo tornou-se definitivamente conservador. Nesse caso, olhe para a Alemanha, onde o partido de extrema-direita voltou ao Parlamento, pela primeira vez desde o nazismo. É uma perspectiva sombria e real; por isso, é legítimo escolhê-la. Mas, por favor, não diga que é a única, nem a mais atual.
A velha mídia brasileira ainda não vê, mas rapidamente vai tomando corpo uma outra tendência, de sentido oposto. É a reemersão inesperada, como no final dos anos 1990, de uma crítica potente ao neoliberalismo. Ela vai muito além dos círculos intelectuais, desperta a juventude, propõe uma nova agenda.
Como na virada do século, o movimento teve início nos países centrais do sistema: desta vez, Estados Unidos e Inglaterra. Comecemos por ela. A revista Economist, que não nutre a menor simpatia por Jeremy Corbyn, líder rebelde do Partido Trabalhista inglês, acaba de dizer que ele é o provável próximo primeiro-ministro do país. A imagem é eloquente: no último número da revista, Economist imagina Corbyn – um homem de 68 anos, cabelos brancos e boina – à frente da emblemática Downing Street nº 10, a sede do governo britânico. A porta principal – oh, heresia! – foi pintada de vermelho. Diante da casa, estão postados um gato e a bicicleta de Corbyn, também escarlate.
Não é ironia apenas. Ainda em fevereiro, Economist previu a morte do centenário Partido Trabalhista, que seria provocada pelas políticas rebeldes de Corbyn (repare na boina, sobre o túmulo…). Tudo mudou, em sete meses. Por terem sido capazes de atualizar seu programa, e de se manter fieis a ele, contra todas as pressões, os trabalhistas reergueram-se. Nas eleições parlamentares do meio do ano, garantia-se que seriam varridos do mapa. Mas ao invés de recuarem, e se adaptarem ao que a mídia esperava deles, souberam dar a volta por cima. Seu programa teve por foco a redistribuição de riquezas. Obrigar os ricos a pagar mais impostos. Restaurar o Sistema Nacional de Saúde. Renovar a Educação. Eliminar a cobrança de mensalidades nas escolas públicas, introduzidas pelos conservadores e mantidas pelos trabalhistas acomodados. Renacionalizar as ferrovias. Tudo isso sob um slogan claro: “Para os muitos, não para os poucos”
O resultado foi um ponto totalmente fora da curva. Depois de anos de declínio, quando obedeciam as receitas da mídia, os trabalhistas estiveram a um passo de ganhar as eleições. Politicamente, venceram. A primeira-ministra conservadora, Theresa May, arrasta-se, e não sabe como lidar com o trauma que a saída da União Europeia representará. Em poucos meses, os trabalhistas foram capazes de reanimar sua enorme militância. Como no Reino Unido as eleições são distritais, estes militantes dedicam-se agora a uma tática de tensionamento da representação tradicional. Vão de casa em casa, de pub em pub, distrito por distrito, questionar os votos dos deputados conservadores.
Reinseriram os jovens na política. Entre a população abaixo dos 25 – reconhece Economist, não sem um certo pesar – já têm o apoio de três em cada quatro pessoas. Agora, querem ir adiante. Na primeira conferência do partido após as eleições do meio do ano, que está ocorrendo neste fim de semana, Jeremy Corbyn apresentou planos para enfrentar a especulação imobiliária – por exemplo, estabelecendo controle público sobre os preços dos aluguéis. Ou assegurando que, sempre que houver intervenções de “recuperação” de áreas urbanas, os imóveis afetados retornem a seus antigos moradores após as obras, ao invés de serem capturados pelas corporações imobiliárias.
Corbyn também propõe – para escândalo da Economist – um quantitative easing para o povo. Na última década, os bancos centrais emitiram rios de dinheiro para a aristocracia financeira, alegando que era a forma de evitar que a recessão se agravasse. Agora, este velho trabalhista sugere: se isso foi possível, por que não podemos, também, imprimir dinheiro para os proglramas sociais?
Um processo semelhante está ocorrendo, exatamente agora, nos Estados Unidos. Diante do desgaste de Donald Trump, quem está se fortalecendo não é a extrema direita que o apoiou, nem a cúpula do Partido Democrata – mas Bernie Sanders, o candidato que questionou, nas eleições de 2016, o domínio dos grandes bancos sobre a economia.
É a mesma Economist quem reconhece: o avanço tem por base políticas muito concretas. Há quatro anos, Sanders, que é senador, apresentou proposta para tornar estatal o sistema de assistência à Saúde. Ninguém o apoiou. Há poucas semanas, ele voltou a reapresentar a proposta: teve adesão de 16 senadores democratas, entre eles todos os demais possíveis candidatos à presidência, em 2020. A mudança de ares é vasta. A maior parte dos militantes já arova a proposta de um salário mínimo de 15 dólares por hora (que Hillary não assumiu em 2016). Também defende um pacote de investimentos públicos de 1 trilhão de dólares na economia e o controle estatal sobre os oligopólios. “Os democratas apoiam a intervenção governamental sobre a econoia numa escala não vista desde o New Deal” de Franklin Roosevelt, admite, ainda que a contragosto, a revista britânica.
A onda de direita é global, inundou o Brasil, emerge em cada post no Facebook. Mas, vê-se claramente agora, não é o único fenômeno político contemporâneo. Diante de um mundo dividido, há, entre tantas, duas atitudes principais. A primeira é render-se comodamente à melancolia, ao fim do mundo. A outra, muito mais difícil e desafiadora é imaginar as alternativas.