A democracia brasileira está em crise?

Intervenção militar já!”, “fora todos eles”, “pela volta da monarquia”.

Em meio à crise político-econômica que assola o Brasil, vozes que questionam a democracia ganham força, apesar de o país ter passado por um regime de exceção não muito tempo atrás.

Ainda que o modelo democrático seja prestigiado como uma das grandes conquistas da humanidade, apenas 11% dos países são democracias funcionais, conforme índice da revista The Economist. O desempenho é avaliado com base em fatores como liberdade de imprensa, representatividade feminina no parlamento e corrupção.

Segundo esse índice, o Brasil é considerado uma flawed democracy (democracia falha), estando em um nível entre uma democracia plena – como a do Uruguai – e um regime híbrido – como o venezuelano. A menor pontuação do país é na categoria que mede o apoio da população à democracia.

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Estudos nacionais de fato embasam a ideia de que a democracia é cada vez menos importante para os brasileiros. Uma pesquisa Pulso Brasil/Ipsos de agosto indica que para 33% da população a linha democrática não é a melhor para o país.

Nesta sexta-feira 15, Dia Internacional da Democracia, chama a atenção tanto o aumento no número de brasileiros que não respaldam a democracia como o daqueles que manifestam abertamente preferência por regimes ditatoriais.

“Na minha última pesquisa, de 2016, saltou de 15% para 20% o percentual dos que apoiam a ditadura“, destaca o professor de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés.

As falhas do sistema político

Aspectos que remontam ao próprio processo de fundação do Brasil estão na raiz da não consolidação da democracia. Laura Benda, presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD), constata que a democracia nunca foi um valor em si para a sociedade brasileira.

“Nós temos uma sociedade cujo elo fundador é a violência. É um país forjado na escravidão do povo indígena e do povo negro. Mesmo com a República, mais ou menos se segue a mesma lógica de dominador/dominado”, argumenta.

A perpetuação desse modelo corrobora para o Brasil figurar, segundo a ONU, na 10ª posição de países mais desiguais do mundo em termos de renda.

Tamanha desigualdade trava a plena efetivação da democracia, que tem como promessa “a inclusão social, a diminuição das desigualdades e privilégios”, aponta a coordenadora de Direitos Humanos da Fundação Heinrich Böll, Marilene de Paula.

A ínfima representatividade de certos grupos sociais nos espaços políticos contribui para uma menor identificação com a democracia. Atualmente, apenas 9,9% dos congressistas são mulheres, proporção bem inferior à da já baixa média mundial (22,1%). Semelhante situação acontece com negros, pardos e indígenas, que juntos somam 51% da população, mas preenchem somente 20% das vagas na Câmara dos Deputados.

Sem representatividade e com altos níveis de corrupção, as instituições democráticas caem em descrédito. Uma pesquisa Datafolha divulgada em julho mostrou que a taxa de brasileiros que não confiam no Congresso e nos partidos políticos é de, respectivamente, 65% e 69%.

“Numa democracia estável é saudável desconfiar do governo. Mas se a desconfiança de instituições como Congresso, partidos e Justiça for muito prolongada, e ao mesmo tempo crescer, como aconteceu no Brasil nas últimas décadas, isso pode criar a oportunidade para uma base social de natureza autoritária”, aponta Moisés.

Os rumos da democracia no Brasil

Apesar dos percalços, é improvável que o Brasil deixe de seguir uma via democrática nos próximos anos. Afinal, como explica Moisés, os três eixos sobre os quais a estabilidade da democracia brasileira se sustenta continuam mantidos: as Forças Armadas se submetem às autoridades civis eleitas; há eleições regulares com baixos índices de fraude; e há alternância no poder.

Ao mesmo tempo, embora cumpra requisitos formais, como o voto universal, a democracia brasileira deixa a desejar em outros aspectos importantes.

“Estamos cada vez mais avançando contra os direitos sociais e a participação popular. Assim [a democracia] acaba sendo mais formal e de fachada do que efetiva”, diz Benda.

Como, então, dar o salto para uma democracia mais inclusiva e igualitária?

Um passo importante é reforçar mecanismos de transparência e participação direta da população. “Desde 1988 apenas quatro projetos de iniciativa popular foram aprovados, entre eles o Ficha Limpa”, ressalta De Paula.

Por outro lado, são necessárias mudanças estruturais. A reforma política em discussão é uma oportunidade para refundar as bases democráticas do país.

Para Moisés, o melhor modelo a seguir seria o distrital misto, que vigora na Alemanha. Nesse sistema, vota-se em um partido e num candidato do distrito.

“[Esse modelo] aproxima o eleitor do seu candidato, que pode cobrá-lo mais de perto, além de reduzir o valor das campanhas”, afirma o professor.

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