O distritão e a arte de jogar votos fora

Jairo Nicolau

 

Durante muitos anos, a discussão sobre a reforma do sistema eleitoral no Brasil esbarrava na ausência de uma alternativa que conquistasse um apoio razoável dos deputados federais. Esse quadro, entretanto, mudou na legislatura que tomou posse em fevereiro desde ano.

Hoje, o distritão, um sistema eleitoral que nem sequer era mencionado no debate há anos atrás, passou a ser opção preferencial da maioria dos deputados.

A defesa do distritão está baseada em dois argumentos. O primeiro é que ele é um sistema simples e fácil de ser entendido. Verdade. Podemos fazê-lo com uma única frase: os mais votados do Estado se elegem. Numa eleição para deputado federal em São Paulo, por exemplo, seriam eleitos os 70 candidatos que tivessem mais votos.

O segundo argumento é que como cada candidato seria eleito apenas com os seus votos, o que acabaria com o atual sistema de transferência de votos entre os candidatos do mesmo partido (ou coligação).

No sistema eleitoral em vigor, os votos dos candidatos que concorrem na mesma lista são somados. Ocasionalmente, alguns candidatos têm votação expressiva, ultrapassam o quociente eleitoral e ajudam a eleger nomes menos votados (muito raramente com votações baixíssimas).

Nomes como José Dirceu, Chico Alencar, Fernando Gabeira e José Serra já ultrapassaram o quociente em outras eleições, mas o fenômeno ficou conhecido pejorativamente com “efeito Tiririca”.

Será que as eventuais vantagens trazidas por um sistema que é fácil de entender e que acaba com as transferências de votos dos “puxadores de legenda” são superiores aos problemas que ele provavelmente vai gerar? Minha resposta é não.

O principal problema do distritão será seu efeito negativo nos já combalidos partidos brasileiros. Imagine uma campanha em que os eleitores não possam votar na legenda, em que os candidatos de uma mesmo partido não tenham incentivo para cooperar entre si para atingir o quociente eleitoral.

Imagine uma campanha na qual os dirigentes não tenham estímulo nenhum para apresentar propostas partidárias para a sociedade, em que os suplentes não sejam do mesmo partido do titular. Esse provavelmente seria o formato, caso o distritão estivesse em vigor.

Diante das críticas de que que o distritão fragiliza ainda mais os partidos é comum ouvir dos seus defensores um argumento surpreendente: como ninguém confia mais nos partidos e os eleitores votam em nomes, pouco importa que eles contem ainda menos nas eleições.

A lógica é esta: já que os partidos são fracos, vamos fazer uma reforma para fragilizá-los ainda mais. Não seria justamente o oposto?

Quando se fala que o distritão é um bom sistema, pois garante a eleição dos mais votados, cabe perguntar para onde vai o voto de milhões de eleitores que votaram em nomes que não se elegeram. Seriam simplesmente jogados fora.

Poucos eleitores sabem que usamos um sistema proporcional para eleger deputados. Por isso, os votos dos candidatos de cada partido são somados aos votos de legenda para se calcular quantas cadeiras cada partido obterá. Na verdade, nesse sistema não há uma transferência indevida de votos, mas, sim, um processo que soma os esforços dos nomes de uma mesma legenda.

Assim, perdem o voto apenas os eleitores que votaram em partidos que não elegeram nenhum nome. Nas eleições de 2014 para deputado federal esse número foi muito reduzido na maioria dos Estados. Por exemplo, 4% em São Paulo, 5% em Minas Gerais e 7% na Bahia.

No sistema eleitoral em vigor o eleitor pode não eleger “seu candidato”, mas o nome escolhido por ele necessariamente ficará em uma das suplências. Se o eleitor votou na legenda, seu voto ajudou o partido. No distritão, se o eleitor vota em um candidato perdedor, esse voto é simplesmente ignorado na distribuição de cadeiras. Voto com mesmo destino dos nulos e em branco.

Há quase duas décadas o Congresso busca uma alternativa para aperfeiçoar o sistema eleitoral brasileiro. É uma pena que muitos deputados tenham se encantado logo pelo distritão, que, a meu juízo, é a pior opção entre as já apresentadas.

JAIRO NICOLAU, 51, cientista político, é professor da UFRJ e autor do livro “Sistemas Eleitorais” (FGV Editora)

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