A instauração de procedimentos disciplinares e a aplicação de sanções contra
magistrados que atuam na defesa das liberdades públicas em razão de seus posicionamentos
jurídicos e políticos é recorrente no Brasil. Trata-se de situação flagrantemente contrária aos
princípios constitucionais caros ao sistema jurídico brasileiro, mas também aos
entendimentos de organismos internacionais de direitos humanos, como a ONU e a OEA, que
já se manifestaram em diversas ocasiões sobre a necessidade de garantia da liberdade de
expressão de magistrados para um sistema de justiça democrático e plural e para que se
assegurem outros princípios, como a própria independência judicial.
Nesse sentido, a Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh vem manifestar seu
repúdio ao procedimento disciplinar que vem sendo levado a cabo contra o juiz Hugo
Cavalcanti Melo Filho, em razão de ter proferido despachos em que expressou sua opinião
acerca das mobilizações de Greve Geral dos dias 28 de abril e 30 de junho de 2017.
O processo administrativo, instaurado pela Corregedoria do Tribunal Regional do
Trabalho da 6º Região, baseia-se em alegações genéricas de que o juiz teria se ‘’excedido’’
na linguagem do primeiro despacho, sem, entretanto, explicitar o trecho que teria incorrido
neste vício ou remeter-se a nenhuma violação objetiva cometida pelo magistrado do ponto de
vista de seus deveres funcionais. Os mesmos organismos internacionais de direitos humanos
já mencionados são enfáticos ao afirmar que a liberdade de expressão dos juízes é
indissociável da garantia de que eventuais processos disciplinares contra eles sejam regidos
pela máxima transparência, pela absoluta clareza de motivações e pela imparcialidade, o que
evidentemente não ocorreu no caso.
Em verdade, o processo disciplinar em questão tem como objeto o próprio conteúdo
do despacho em que o juiz Hugo Cavalcanti manifesta sua aprovação ao movimento grevista
e seu repúdio às reformas sociais em curso no país, posicionamento coerente com sua prática
jurisdicional garantista em relação aos direitos dos trabalhadores. Dessa forma, representa
afronta direta à garantia, expressa em diversos dispositivos, inclusive a Lei Orgânica da
Magistratura (LOMAN), de que magistrados não podem ser punidos ou prejudicados pelas
suas opiniões ou pelo teor de suas decisões. A instauração de um processo disciplinar sem
fundamento sólido é, por si só, capaz de causar constrangimentos e, por consequência,
desencorajar a manifestação de opiniões dissonantes em meio ao Sistema de Justiça, o que
representa uma restrição ilegítima e abusiva da liberdade de expressão.
Mais do que isso, o referido processo revela a recorrente seletividade na instauração
de procedimentos e sanções disciplinares, presentes em diversos outros casos emblemáticos,
que demonstram o direcionamento destes processos contra magistrados alinhados com a
defesa dos direitos humanos, seja por meio dos entendimentos jurídicos expressos em suas
decisões ou pela manifestação de opiniões políticas. Tal prática de verdadeiro controle
ideológico prejudica imensamente a necessária diversidade de posicionamentos jurídicos e o
pluralismo político, algo mais grave quando se considera que a defesa dos direitos humanos,
assim como os temas sobre os quais o juiz o Hugo Cavalcanti manifestou-se – como as
reformas trabalhista e da previdência – revestem-se de indiscutível interesse público e,
portanto, merecem especial proteção e promoção à luz dos padrões internacionais de direitos
humanos. Tanto assim que outros juristas que atuam no âmbito trabalhista defenderam
abertamente as reformas e nem por isso sofreram qualquer tipo de constrangimento pelos
tribunais que integram, confirmando que o procedimento reveste-se de seletividade.
Dispositivos como o que contém a vedação ao ‘’excesso de linguagem na
magistratura’’ possuem conteúdo indeterminado, o que acaba por permitir que sejam
flexibilizados de maneira arbitrária e venham a restringir indevidamente discursos
minoritários, o que tem por consequência a violação individual ao direito à liberdade de
expressão dos magistrados, mas também o reflexo de intimidação sobre outros magistrados e
o comprometimento do debate público como um todo.
O processo administrativo disciplinar voltado contra o juiz Hugo Cavalcanti Melo
Filho revela flagrante desrespeito às normativas internas e internacionais a respeito da
liberdade de expressão, bem como princípios específicos já consolidados acerca da garantia
deste direito fundamental aos magistrados, tanto no exercício de suas funções, como
cidadãos comuns. Assim, merece o repúdio de organizações que defendem a garantia,
proteção e promoção da liberdade de expressão e da democratização do Sistema de Justiça.
Ainda, pugnam publicamente contra investida correicional pelo Tribunal Regional do
Trabalho da 6º Região ante a ausência de fundamento legal que justifique a punição deste em
razão de suas opiniões ou convicções jurídicas e políticas.
Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh)