Antonio Martins
Crescem os sinais de que a greve geral desta sexta-feira será um protesto vasto e múltiplo. A iniciativa foi do movimento sindical, mas a chama da revolta se alastrou. Ela é visível, por exemplo, nas ações do MTST – que convida para marcha até a casa de Temer, em São Paulo; no apoio explícito oferecido ao movimento por parte da igreja católica; nos comunicados que os professores das escolas mais tradicionais enviam aos pais de seus alunos; nas convocações espontâneas que inundam as redes sociais; em uma multidão de gestos semelhantes.
Num certo sentido, a greve é contra o sistema político – porque a democracia transformou-se numa farsa. Em Brasília, um presidente ilegítimo e um Congresso suspeito continuam de costas para o povo. Todas as pesquisas mostram: a esmagadora maioria da população e contra as mudanças na aposentadoria e a terceirização do trabalho. Mas ambas as propostas podem ser aprovadas, por deputados e senadores suspeitos de receber propinas. E para aprová-las, o Palácio do Planalto recorre a um arsenal de métodos corruptos: liberação de dinheiro (R$ 800 milhões) para os deputados, na forma de emendas parlamentares; lotemamento de empresas estatais; negociação aberta de cargos públicos.
Ou seja: o país é governado por uma casta política. Esta casta não presta satisfações à sociedade, mas ao poder econômico que financia suas campanhas. Enquanto esta situação persistir, os ataques aos direitos sociais e a entrega do país às grandes empresas não cessarão.
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A greve geral é um grito contra esta democracia de fachada – mas depois dela faremos o quê? Alguns estão de olho nas eleições de 2018, que se aproximam e tendem a ganhar cada vez mais atenção. É uma resposta muito pobre. Em 2018, se nada for mudado, será eleito um Congresso muito parecido com o atual. Igualmente interessado em fazer favores ao poder econômico – e dele receber agrados. Igualmente desligado da sociedade e do debate dos grandes temas nacionais. Ainda que se eleja um presidente de esquerda, seu poder será, sob o sistema atual, extremamente reduzido – quase cosmético. Estará limitado pelo Congresso, pela mídia, pelo Judiciário. Terá de fazer concessões e barganhas. E estas barreiras, que já eram enormes antes do golpe, serão agigantadas após as contra-reformas radicais que o governo Temer está aprovando.
Em vez de limitar nossa ação política ao voto, não seria mais produtivo – e muito mais fascinante – lutar por uma transformação de todo o sistema político? Não seria possível desejar a reinvenção da democracia, hoje em crise não só no Brasil, mas no mundo todo?
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Na última semana, um conjunto de movimentos sociais que acredita nesta hipótese voltou a se articular, depois de três anos. Chama-se Plataforma pela Reforma Política. Realizou, em 2014, um plebiscito informal sobre o tema, do qual participaram 8 milhões de pessoas. Esteve desarticulado, devido às tempestades que marcaram a cena nacional. Voltou a se reunir num seminário em Brasília, do que participaram dezenas de ativistas, de todo o país. A retomada certamente tem a ver com os novos tempos que vivemos; com a necessidade de constuir, para uma situação de exceção, respostas que não sejam banais, que não se limitem a depositar um voto em urna.
Durante três dias, os integrantes da Plataforma pela Reforma Política reviram e atualizaram o leque de propostas que construíram há quatro anos. Em breve, os resultados serão apresentados à sociedade. Debate-se a hipótese de construir um decálogo, que reúna as posições mais impactantes.
As propostas da Plataforma abrangem cinco aspectos: promoção da Democracia Direta; construção de instrumentos de Democracia Representativa; mudanças radicais no Sistema de Representação; democratização da mídia; democratização do Judiciário. Vamos apresntá-las, ponto por ponto. Começaremos pela Democracia Direta.
Há uma enorme lacuna aqui – e ela diz muito sobre o sequestro da democracia. Em 1988, sob intensa mobilização popular, a Constituição estabeleceu, já em seu artigo 1º: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes ou diretamente”. Mas os deputados e senadores demoraram dez anos para regulamentar este princípio. E quando o fizeram, em 1998, por meio da Lei 9709, bloquearam de maneira grotesca os três instrumentos mais clássicos de Democracia Direta.
Segundo a Lei 9709, plebiscitos e referendos só podem ser convocados… pelo próprio Congresso Nacional. Ou seja, a democracia direta, prevista expressamente na Constituição, foi submetida à vontade dos deputados e senadores. E a própria proposição de leis de iniciativa popular exige uma quantidade fantástica de apoios. 1% do eleitorado, ou 1,4 milhão de eleitores. É mais do que o dobro do que se exige para formar um novo partido político. E isso para propor uma única lei.
A Plataforma pela Reforma Política defende a facilitação dos plebiscitos e referendos. Quer, aliás, torná-los obrigatórios, sempre que se fizer uma emenda à Constituição. Se este princípio estivesse em vigor, a contra-reforma da Previdência e a PEC-241-55, que congelou por vinte anos os gastos públicos, jamais seriam aprovadas.
Na reunião da semana passada, discutiu-se, além disso, propor o uso maciço da internet para abrir espaço à democria direta. Se os cidadãos movimentam sua conta bancária, compram uma casa, reservam passagens para outro lado do planeta online, por que não poderiam apoiar, também via internet, um projeto de lei de iniciativa popular?
A Democracia Direta, bloqueada pelos deputados e senadores mas perfeitamente viável hoje, foi apenas um dos temas debatidos no encontro da Plataforma pela Reforma Política. No próximo programa, veremos as proposições para criar mecanismos de Democracia Participativa.
Em seu conjunto, a Plataforma sugere uma reflexão importantíssima às vésperas da greve geral. Não nos iludamos: a simples eleição de um presidente mudará muito pouco. Mas ao mesmo tempo, não nos conformemos. A mobilização desta sexta expressa o esgotamento de nosso sistema político. É hora de reconstruí-lo, em bases radicalmente nova.