Duas ideias, reflexões e conclusões foram centrais e unânimes no Encontro da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, ocorrido em Brasília entre 17 e 19 de abril: a profundidade e extensão da atual crise brasileira e a urgência e necessidade da união das forças populares e democráticas nesta conjuntura e quadra da história do Brasil.
Diz um texto com um breve histórico da Plataforma: “A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político é uma articulação de movimentos, entidades, fóruns e redes que, desde 2004, atua para mudar a forma como o sistema político brasileiro está organizado institucionalmente. Nosso ponto de partida de sua criação foi a crítica aos instrumentos de participação social, que tem baixo impacto na formulação e controle social sobre as políticas públicas, restringindo-se a um tênue acompanhamento de políticas sociais.
Ao aprofundar o debate, identificamos problemas mais profundos no sistema político, como a sub-representação de setores sociais dominados e explorados, como mulheres, pessoas negras, povos indígenas, LGBT, da classe trabalhadora e da juventude; o domínio do capital sobre a política e a corrupção eleitoral; o descrédito na política e a crise da representatividade; o funcionamento antidemocrático dos partidos políticos; a produção de faltos consensos pela mídia corporativa; a criminalização dos movimentos sociais; o autoritarismo do sistema de justiça, entre outros.
Tal análise ampliou nossa concepção sobre a política institucional e resultou em uma proposta de transformação radical do sistema político, que o considera além do convencional. Assim, no decorrer dos últimos dez anos, em encontros locais, regionais e nacionais, elaboramos coletivamente uma proposta de reformas em torno de cinco eixos: democracia direta, democracia participativa, democracia representativa, o sistema de comunicação e informação e o sistema de justiça.”
Para um redesenho da democracia, capaz de produzir, de forma dialética, novas institucionalidades, a Plataforma propõe, como princípios democráticos norteadores da reforma do sistema político, os seguintes: da igualdade, da diversidade, da justiça, da liberdade, da participação, da transparência e do controle social. E para construir uma nova institucionalidade, a reforma do sistema político deve enfrentar problemas como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção.
Os debates do Encontro da Plataforma foram fortes, ardentes, como não poderia deixar de ser num momento de profunda crise, muito mais profunda que a de 2004, 2005, quando a Plataforma iniciou sua articulação. As mulheres, especialmente as mulheres negras e seus movimentos, exigindo igualdade de gênero e representação da população negra. Os indígenas exigindo espaços e presença ativa na cena política em geral, especialmente no Parlamento. O Poder Judiciário, o pior de todos os poderes, e por extensão o Sistema de Justiça, o que inclui o Ministério Público e as Defensorias, foi duramente criticado: sem transparência, cheio de privilégios, sem democracia e sem controle social.
Já não bastam apenas reformas, mas faz-se necessária uma revolução. Por isso, alguns participantes do Encontro defenderam a necessidade de uma Assembleia Constituinte Exclusiva, Livre e Soberana, proposta que não obteve unanimidade. O debate é sobre a sua oportunidade, e se não seria dominada pelo poder vigente e Parlamento atual. Ou se, por outro lado, uma Assembleia Constituinte não poderia ser um horizonte de unificação da luta social e política, tal como foram as Diretas-Já e a Constituinte nos anos 1980.
Há propostas com razoável grau de unanimidade, embora nem sempre em todos seus detalhamentos: Financiamento público exclusivo de campanhas, com a questão: militantes de partidos podem ou não contribuir; lista partidárias pré-ordenadas, mas como garantir a democracia partidária; referendo e/ou plebiscito das reformas em curso promovidas pelo governo golpista de Michel Temer, mas com a dúvida: não serão inexequíveis na prática, em meio à crise e com o atual poder dominante? E surgiram questões novas: a possibilidade de candidaturas avulsas, por exemplo de movimentos sociais, a criação de Frentes políticas e partidárias, alterações nas regras de criação de novos partidos, a possibilidade da revogação de mandatos, entre outros.
Há consenso, no entanto, sobre a urgência e a necessidade, na conjuntura, da resistência contra as reformas em andamento, propostas pelo governo golpista, especialmente a da Previdência, a mais unificadora, e a luta contra o golpe, a começar com a Greve Geral do dia 28 de abril. Assim como, neste momento conjuntural e histórico, sobre a necessidade do trabalho de base e de formação política e, essencial e principal, a unificação das forças populares e democráticas, deixando em segundo plano eventuais divergências.
Como em 1954, em 1964, os poderes dominantes – os interesses estratégicos de Estado dos EUA, o grande capital financeiro internacional, atraindo setores da burguesia nacional, as grandes corporações internacionais, a mídia, a classe média alta como base social principal – mobilizaram a sociedade com um discurso mobilizador em torno da corrupção, e unificaram sua ação. Cabe às forças populares e democráticas resistir unificadamente, abrindo uma nova oportunidade para a democracia, os direitos do povo pobre e trabalhador e a construção de um modelo alternativo que combine economia e democracia.
A história não acabou. A luta continua.
Selvino Heck
Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)
Em vinte e um de abril de dois mil e dezessete