Fizemos uma pequena entrevista com José Antonio Moroni sobre alguns aspectos da reforma do sistema político eleitoral que devem nortear as discussões no encontro de segunda-feira. Leia abaixo:
Muito se fala em reforma política e eleitoral, mas pouca coisa mudou praticamente no sistema nos últimos anos. Quais são os principais obstáculos para que alguma mudança positiva seja efetivamente realizada?
Primeiramente temos um limite da nossa institucionalidade que é o monopólio do Congresso para fazer a reforma política. Não temos praticamente mecanismo algum de soberania popular para se fazer transformações quando o Congresso não quer e o povo quer. O único instrumento que temos é a iniciativa popular, que é super limitada, pois não pode propor mudanças constitucionais. E são necessárias 1,5 milhão de assinaturas, numa burocracia enorme, e quem vota, de qualquer maneira, é o próprio Congresso. Em outras palavras, temos um sistema político que não é alicerçado no poder popular, e sim no poder econômico. E, em termos de poder político, a base está nas oligarquias, tanto as velhas como as novas. Além disso, temos um Congresso dominado por bancadas com interesses particulares e de seus grupos de interesse, inviabilizando que se tenha uma discussão aprofundada sobre o tema. Os congressistas pensam em seus próprios interesses e de seus grupos, e não em qual o melhor sistema político para atender aos interesses do povo.
Você diz que política não se esgota nos processos eleitorais ou na vida partidária. Pode dar exemplos práticos de outras importantes formas de atuação política?
O direito a participar ativamente das decisões do seu país deve ir muito além do voto ou da militância partidária. Precisamos criar outros mecanismos de expressão da soberania popular que não seja apenas o voto. Isso é muito limitado. Na verdade, precisamos ter um sistema político alicerçado no poder popular, na soberania popular, e para isso é necessário ter instrumentos para processar esta participação. A Constituição de 1988 criou três instrumentos de democracia direta: o plebiscito e referendo, que somente o Congresso pode convocar, e a iniciativa popular (coletar 1,5 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de lei ao Congresso, que vai aprovar ou não). Chamar isso de democracia direta é meio que um deboche. Precisamos pensar como a força das organizações autônomas e independentes da sociedade civil (movimentos sociais, coletivos, organizações etc), que são formas de atuação política, podem tensionar de tal forma essa institucionalidade a ponto de provocar rupturas e possibilitar a construção de novas institucionalidades realmente democráticas. Essas novas institucionalidades precisam ser capazes de romper com o machismo, com o racismo, com a desigualdade de renda e riquezas, com a homofobia, com a lesbofobia, com o personalismo, com as oligarquias etc. Só vamos conseguir isso se tivermos um nível alto de participação política nos movimentos da sociedade, tensionando a institucionalidade.
A direita e demais forças conservadoras conseguiram mobilizar milhões de pessoas nas ruas nos últimos anos, e obtiveram significativas vitórias no campo político, como a derrubada do governo Dilma. Eles estão sabendo fazer política melhor do que a esquerda?
O que realmente mobilizou as pessoas não foi a direita e sim os meios de comunicação tradicionais, que atuam como partido político. A mídia tem um poder grande de manipulação, fizeram isso a vida toda. As redes sociais também tiveram um papel importante neste processo. Além isso, tivemos um fator importante, que foi a perda da base social do governo Dilma em função da não implementação do programa que saiu vitorioso nas urnas, nas eleições de 2014. Esta base social não tinha motivos para defender um governo que o traiu. A direita soube explorar essas contradições. Temos ainda um Poder Judiciário que age para destruir forças de esquerda e suas lideranças. Age de forma seletiva, pois o mesmo rigor não se aplica a partidos de direita e suas lideranças. Mas bastou a mídia não apoiar, como aconteceu na última manifestação (março de 2017), que a direita não consegui colocar meia dúzia nas ruas. A questão, para nós do campo da esquerda, é saber quando o povo não militante vai entrar nesta luta, e de que lado. Quem a direita conseguiu mobilizar foi a classe média reacionária, conservadora e que tem um ódio quase mortal das forças populares. Mas hoje, a ofensiva das disputas das ruas retornou para nós – a questão é se vamos ter unidade suficiente para fazer desta uma disputa com o conservadorismo, e não entre os diversos movimentos de esquerda.