Valdecir Pascoal
Os Tribunais de Contas, como guardiões da república e instituições essenciais à democracia, precisam ser exemplos de bom desempenho, transparência e comportamento ético de seus membros.
Conquanto se respeitem as garantias constitucionais da ampla defesa e da presunção de inocência, os fatos graves acontecidos recentemente no Rio de Janeiro acenderam definitivamente o sinal de alerta para a necessidade de mudanças significativas e de melhores controles sobre a atuação dos Tribunais de Contas. Aprimoramentos necessários, a despeito do inegável avanço que experimentaram essas instituições após a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), notadamente aqueles que desde então partiram para a profissionalização da área de auditoria, a estruturação das carreiras de membros substitutos (auditores) e do Ministério Público de Contas e aqueles que estimularam o controle social por meio da divulgação ampla de dados e indicadores da gestão em portais de transparência públicos.
É preciso, no entanto, com a máxima premência, por meio de uma consistente reforma constitucional, blindar os Tribunais de Contas de qualquer tipo de influência de natureza político-partidária, que possa comprometer a atuação ética e independente de seus membros e, por conseguinte, a efetividade de seu papel controlador em defesa da correta aplicação dos recursos do povo.
A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), há quase uma década, defende a criação de um Conselho Nacional para estes órgãos (CNTC), à semelhança dos que já existem para o Judiciário e o Ministério Público. Para dar corpo à ideia, no início deste ano a entidade apresentou ao Congresso Nacional uma nova proposta de emenda constitucional para a criação deste Conselho, que seria composto por ministros do TCU, conselheiros, auditor substituto, procurador de contas e representantes da sociedade (incluindo a OAB).
Esse Conselho terá a competência para (a) processar e responsabilizar seus membros por irregularidades e desvios éticos (b) fiscalizar os atos de gestão administrativa e financeira dos Tribunais, (c) estabelecer metas nacionais de desempenho, (d) dar transparência máxima, via Portal na Internet, a todos os atos de gestão e de fiscalização dos Tribunais, além de (e) proceder, por meio de uma Câmara específica, à uniformização de jurisprudência sobre temas que envolvam questões de repercussão nacional, a exemplo da interpretação da LRF. Vale lembrar que atualmente não existe qualquer mecanismo jurídico que permita uniformizar questões legais controversas no âmbito do sistema Tribunais de Contas, o que acaba gerando manifesta insegurança jurídica, na medida em que, no limite, pode haver trinta e quatro interpretações diferentes de leis nacionais aplicadas à administração pública.
Ademais, entre os avanços da proposta apresentada está a preocupação em não onerar, além do mínimo razoável, os cofres públicos. Com efeito, conforme a proposta, o CNTC não terá sede própria (funcionará no TCU), os seus integrantes não receberão qualquer vantagem financeira e o custeio de eventuais deslocamentos e de assessorias será rateado entre as entidades nele representadas. Além disso, as sessões acontecerão preferencialmente em ambiente virtual.
Mas há outra questão que não pode deixar de ser enfrentada nesta oportunidade histórica de aprimoramentos institucionais: as regras de composição dos Tribunais de Contas. Se é verdade que o atual modelo — em que um quarto dos membros são oriundos das carreiras técnicas constitucionais (auditores substitutos e procuradores de contas) e os demais são indicados pelo Parlamento — representa um grande avanço com respeito às regras anteriores, em que todos os membros eram indicados pelo Chefe do Executivo; se é verdade também que boa parte dos indicados pelo Poder Legislativo exercem suas atribuições com retidão, a história tem evidenciado que as autoridades incumbidas das indicações, em muitas oportunidades, deixam de observar os requisitos constitucionais de provimento do cargo, especialmente os relacionados à idoneidade moral e à reputação ilibada.
E todo esse descaso, por menor que seja, acaba comprometendo o desempenho institucional e abalando a credibilidade e a confiança nos Tribunais e em todo o sistema de controle externo. Para tanto, considerando que a natureza da função de controle executada pelos Tribunais de Contas, diferentemente da exercida pelo Parlamento, é (e deve ser) eminentemente técnica, nada mais legítimo e coerente do que se discutir abertamente uma mudança constitucional que permita proteger essas instituições de qualquer tipo de ingerência deletéria. Entre essas mudanças, estão o aumento da proporção, no colegiado, dos membros oriundos das referidas carreiras técnicas constitucionais, que passariam a ser maioria, o estabelecimento de um prazo de quarentena para aqueles indicados pelo Poder Legislativo, assim como a previsão de mecanismos que permitam transformar as sabatinas legislativas numa efetiva oportunidade para se aprofundar a observância dos requisitos constitucionais para o cargo.
É natural que em momentos de crise grave, como a que passamos, não demorem a aparecer os corvos institucionais, aqueles que, por falta de conhecimento, de visão histórica ou interesses não republicanos, irão apregoar a desconstrução institucional dos Tribunais de Contas, o que seria um grave retrocesso. Por essa razão, é necessária a devida prudência e sensatez, para evitar mudanças açodadas, que, ao invés de melhorar e fortalecer, acabe comprometendo os avanços históricos alcançados e a própria efetividade do modelo de controle. O interesse público aponta o caminho da mudança, do aprimoramento. Necessário, contudo, que esse desejo de evolução institucional, tão sedimentado na sociedade, também brote naqueles que hoje atuam nos Tribunais de Contas. O que o momento exige de nós agora é coragem.