O prenúncio do ocaso no carnaval do Fora Temer

 

Se Temer e os senhores a quem serve entendem um pouco do Brasil, de seu povo e de sua cultura, devem ter capado o sentido e a gravidade dos gritos de “Fora Temer” que ecoaram em vários pontos do País, nos blocos e eventos carnavalescos de rua. Eles invadiram até mesmo as transmissões de emissoras, como a TV Globo, que tentou ignorá-los mas foi convencida, pela repetência dos fatos, a registrá-los.  O “fora Temer” no carnaval não contou com organizadores nem apoiadores. Foi expontaneísmo de massas em estado puro e líquido, um grito do “consciente coletivo” contra o governo golpista e o desmanche do país, um prenúncio do ocaso que se avizinha.  Por coincidência, nesta quarta-feira de cinzas, com as marcas da festa ainda visíveis nas ruas, Marcelo Odebrecht falará ao  ministro Hermann Benjamim, relator da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, sobre a participação da empreiteira de sua família no financiamento da campanha de 2014, inclusive do pedido de ajuda que lhe fez o próprio Temer, e da forma como o atendeu. Talvez explique porque uma parte da grana chegou ao escritório do amigo-irmão do presidente, José Yunes, pelas mãos do operador Lucio Funaro. Mas ainda que não seja pela via do TSE, parece cada vez mais improvável a sobrevivência de um governo que consegue representar tantas faces do descalabro: ilegitimidade, ruína econômica, entreguismo, involução social e exuberância da corrupção, afora outros males.

Diferentemente das manifestações do ano passado pró-impeachment ou contra o golpe,  o “fora Temer” no carnaval não foi previamente combinado pelas redes sociais, não foi convocado por partidos ou grupos organizados, não teve o apoio da Fiesp ou da CUT, não exigiu a produção de cartazes e carros de som.  Os antropólogos culturais costumam dizer que no carnaval as fantasias e desejos se libertam dos controles censórios para irromper em cena.  Com o “fora Temer” deu-se o mesmo processo. O que irrompeu não foi uma fantasia mas o mal estar reprimido com a situação criada pelo golpe e a ânsia por uma saída política mais imediata. Quem pede “fora Temer” não quer esperar 2018.

O parentesco mais próximo  que o grito deste carnaval pode ter é com as “jornadas de junho” de 2013, que reuniram indignados com a corrupção e decepcionados com a política de esquerda ou de direita, ricos ou pobres, reacionários e progressistas, oportunistas de ocasião ou inocentes sinceramente interessadas em “passar o país a limpo”. Mas como em política não há gesto inútil, aqueles protestos foram capturados e direcionados pelas forças que já pensavam no golpe.  Minada a popularidade de Dilma, o resto foi vindo. Agora, massas que se reuniram apenas para brincar o carnaval entoaram um Fora Temer a plenos pulmões. No Rio, houve até um “Lula lá” de madrugada, no bloco “minha luz é de led”. Mas desprezemos esta preferência, bem como as declarações de artistas e notáveis, para ficarmos só com a força expontaneísta do Fora Temer.

Agora vem a quaresma do governo Temer, um tempo de grandes tribulações.  No âmbito do processo do TSE, além de Marcelo Odebrecht, o relator ouvirá depoimentos de outros delatores da Odebrecht: amanhã os de Benedito Barbosa da Silva Júnior e Fernando Reis, no Rio, e na segunda-feira os Cláudio Melo Filho e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, em Brasília.  Benjamim está pisando no acelerador. A defesa de Temer fará uso de todos os recursos protelatórios, como pedidos de auditoria e de novas audiências. Chegando ao plenário, o processo estará sob a regência do ministro Gilmar Mendes, presidente do tribunal e aliado indisfarçado do presidente. Gilmar pode muito mas não pode tudo. Outras demonstrações de que o governo não tem condições morais de se sustentar estarão se acumulando nos próximos dias, com a divulgação de uma parte das delações da Odebrecht. Elas devem atingir ministros, colaboradores e parlamentares da base do governo. Ainda que os delatores façam revelações cabeludas sobre Temer, relacionadas com fatos ocorridos antes de sua posse, ele não poderá ser processado por elas. O presidente, diz a Constituição, não pode ser processado e julgado por atos estranhos ao exercício do cargo.  Isso não impede, entretanto, que um governanete açoitado por denúncias graves perca as condições morais e politicas de se manter no cargo. Se Temer chegar a este ponto, alguma saída terá que ser produzida pelas elites, ainda que seja no TSE, apesar de Gilmar.

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