Punitivismo e controle ideológico da magistratura

 

 

Flavio Siqueira Junior e Sheila Santana de Carvalho

Conectas Direitos Humanos

Entre os diversos temas que circundam o debate sobre a democratização do sistema de justiça, destaca-se o questionamento do desenho institucional que estrutura o Poder Judiciário. Além da forma e critérios de ingresso, formação e ascensão na carreira da magistratura, a problematização do desenho institucional das cortes pode trazer respostas de como uma ideologia punitivista se mantém tão agarrada às barras das togas, consubstanciando-se num elemento central da atual política de encarceramento em massa.

Uma das barreiras para se identificar tais problemáticas é a falta de transparência do Judiciário, uma das últimas instituições a se abrir para a participação social no contexto da Constituição de 19881. Porém, é inevitável que casos que escancaram os déficits demo-cráticos do Judiciário emirjam para o conhecimento público e estimulem o debate.

Vale notar que o problema não é exclusivo do contexto brasileiro. No Paraguai, por exemplo, um juiz foi destituído após absolver 14 pessoas em um processo criminal6; em Honduras, quatro magistrados da Suprema Corte de Justiça foram destituídos por dar provimento a um recurso contra a Lei de De- puração da Polícia7; no Uruguai, uma juíza foi afastada de seus casos depois de ter condenado um ex-presidente do país por sua participação no golpe de Estado de 19738.

O último caso que ganhou notoriedade foi o do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, afastado da vara criminal à qual fora designado por suas decisões privilegiarem a garantia constitucional de liberdade ao invés de esta- rem alinhadas à cultura encarceradora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Rompendo o silêncio típico da carreira, o ma- gistrado acessou o Conselho Nacional de Jus tiça2 para que este se manifestasse sobre seu caso e sobre a política de designações de juízes auxiliares no estado, uma vez que o presidente da corte paulista pode escolher e movimentar livremente juízes em varas sensíveis, como as que tratam de matéria criminal e tributária.

Tais elementos evidenciam que a maneira de um tribunal estruturar-se pode influenciar na própria prestação jurisdicional e conse- quente resposta do Estado às questões sociais. O juiz que desagradar a cúpula dos tribunais poderá ser prontamente afastado de suas funções, submetendo aqueles que desejam traba- lhar em áreas específicas a um controle ideológico de suas decisões.

Na atual conjuntura, aquele que for visto como uma ameaça a essa cultura encontrará muita resistência daqueles que se utilizam do desenho institucional do Judiciário para exer- cer seu poder de influência. Por isso, quem es-pera do Judiciário uma atuação independente e alinhada com os princípios constitucionais e internacionais de direitos humanos deve ficar atento e incidir no debate sobre sua estrutura e organização. Essa pode ser mais uma das saí- das possíveis para se varrer o pó do punitivismo seletivo que insiste em se manter dentro dos tribunais e que criminaliza aqueles que sofrem com a injustiça social.

A questão está agora no Supremo Tribu-nal Federal3, depois do CNJ ter acatado na totalidade o pleito do magistrado e determinado ao tribunal paulista que adotasse critérios objetivos, impessoais e predeterminados de de- signação de juízes. E ainda há outros casos que

Em matéria criminal, é flagrante a interferência na independência funcional de juízes que buscam romper posicionamentos alinha- dos ao chamado direito penal do inimigo5 e a so- ciedade deve estar atenta e compreender a gravidade da questão, na medida em que a independência judicial é sua própria garantia de exercício de direitos. Ainda que haja um défi- cit representativo e participativo de controle externo do Judiciário, o déficit democrático interno também deve ser visto como um feixe do debate sobre a democratização do sistema de justiça.

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  1. Análise de José Geraldo de Sousa Junior em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos. 03/13/2013. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevis- tas/526174-a-constituicao-e-a-construcao-de-direitos-entrevista-especial-com-jose-geraldo-de-sousa-junior.

  2. Pedido de Providências no 0001527-26.2014.2.00.0000. Con. Rel. Gisela Gondin Ramos.

  3. Mandado de Segurança (MS) 33.078/SP, Min. Rel. Rosa Weber, impetrado pelo TJSP contra a decisão do CNJ.

  4. Caso da criação dos Departamentos Estaduais de Execução Penal pelo TJSP – através da Lei Estadual n.o 1.208/2013, – que éobjeto de Ação Direta de In-

    constitucionalidade (ADI) 5070 por parte da Procuradoria Geral da República.

  5. Conceito de Günther Jakobs.

  6. Caso levado à Relatoria de Independência Judicial da ONU. AL – PRY 5/2012. A/HRC/23-51Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/SP/A-

    HRC-23-51_EFS.pdf

  7. Caso levado à Relatoria de Independência Judicial da ONU. UA – HND 13/20012. Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/SP/A-HRC-23-

    51_EFS.pdf

  8. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf

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