Três associações de juízes pedem ao STF o fim da cassação de aposentadoria

 

As três principais associações de juízes no Brasil apresentaram uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o fim de um medida aplicada contra magistrados e outros servidores públicos condenados por irregularidades: a cassação da aposentadoria. As entidades solicitam também que a decisão tenha efeito retroativo até 1993. Isso significaria, no caso de uma decisão do STF favorável às associações, a anulação de todas as cassações de aposentadorias ocorridas nos últimos 23 anos.

A ação é patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Segundo as entidades, a punição, embora aplicada há anos no Brasil, é inconstitucional e significa, na verdade, o enriquecimento sem causa do Estado, que estaria se apropriando de dinheiro que deveria ir aos servidores.

 

Pode ter a aposentadoria cassada o juiz punido com a perda do cargo por meio de decisão judicial transitada em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso. Isso ocorre em condenações criminais ou por improbidade administrativa. Do contrário, a pena máxima que pode ser imposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou pelas corregedorias dos tribunais é a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Administrativamente, a demissão só é aplicável ao magistrado que está no estágio probatório.

Na avaliação das três associações, uma aposentadoria pode ser cassada somente se for obtida de forma irregular. Elas argumentam que três emendas à Constituição feitas em 1993, 1998 e 2003 mudaram a natureza da aposentadoria, que deixou de ser vista como um prêmio pelo longo tempo de serviço ou compensação pelos bons serviços prestados. Passou a ser um benefício previdenciário, em decorrência de uma contribuição do servidor e do Estado para um fundo pelo qual são pagas as aposentadorias.

“Como se pode depreender, verbas de natureza alimentar daqueles que contribuíram para a previdência não estão sendo entregues aos seus legítimos detentores, porque foram cassadas ilegítima e inconstitucionalmente”, diz trecho do ação, apresentada na última quarta-feira e distribuída para o gabinete do ministro Teori Zavascki. Ele vai relatar a questão, mas só poderá cuidar disso a partir de agosto. O STF fica de recesso no mês de julho, quando funciona em regime de plantão.

As entidades também argumentam que, “quando o servidor realiza uma ‘contribuição’, transferindo ‘parte’ da sua remuneração, para o sistema previdenciário, assim o fez diante de uma certeza absoluta de que essa ‘parte’ será devolvida por meio dos ‘proventos’ na aposentadoria ou de ‘pensão’ após sua morte”.

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Em outro ponto, dizem: “Realmente, imagine-se que o servidor tenha praticado um ato ilícito ou criminoso ou improbo que leve à decretação da perda do cargo, porém, que não tivesse causado qualquer prejuízo ou dano ao Estado, ou ainda que tivesse causado um dano mínimo. Qual a razoabilidade ou proporcionalidade da cassação da aposentadoria? A resposta há de ser desenganadamente nenhuma.”

O assunto não é exatamente uma novidade no STF. Em novembro de 2012, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade questionando a punição. Em 2014, a Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria Geral da República (PGR) e o Senado se posicionaram contra a ação, mas não houve decisão ainda.

 

As três entidades que representam os juízes pensaram em pedir para entrar na causa da Anfip, mas acharam melhor apresentar um outro tipo de ação, chamada de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). AMB, Anamatra e Ajufe entenderam que essa seria a forma correta de questionar a cassação da aposentadoria. Além disso, desenvolveram uma linha de argumentação diferente da Anfip.

A ação de 2012 é relatada pelo ministro Gilmar Mendes. Pela semelhança, as três associações dos juízes brasileiros pediram que sua ação também fosse encaminhada para ele, o que acabou não ocorrendo. Entre os pontos em que há discordância, AMB, Anamatra e Ajufe querem que uma eventual decisão do STF tenha efeitos retroativos, pedido que não foi feito pela Anfip.

Além disso, as associações entendem que o trecho da lei estipulando a cassação de aposentadoria, de 1990, não era inconstitucional na época, diferentemente da Anfip. Na avaliação de AMB, Anamatra e Ajufe, somente com as três emendas à Constituição é que a punição se tornou incompatível com a principal lei do país. Assim, além de pedir uma liminar suspendendo a possibilidade de cassação de aposentadoria, as três associações também solicitam que, ao fim do julgamento da causa, haja efeito retroativa a 1993, 1998 ou 2003. Na prática, isso levaria à anulação de decisões que determinaram a cassação de aposentadorias.

O CNJ não dispõe de dados de quantos juízes já tiveram suas aposentadorias cassadas, uma vez que não tem competência para aplicar essa punição. Mas desde 2009, quando foi criado, o conselho aplicou sanções a 73 magistrados, que vão da advertência à aposentadoria compulsória. Ao todo, 46 juízes foram aposentados pelo órgão, com direito a vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

No Executivo Federal, balanço divulgado em 15 de julho deste ano pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), a antiga Controladoria Geral da União (CGU), mostra que, desde 2003, o governo já expulsou 5.910 pessoas do serviço público. A grande maioria – 4.913 – foi demitida, mas há também 456 aposentadorias cassadas. Trata-se de servidores que cometeram erros quando ainda estavam na ativa e depois se aposentaram. Segundo o ministério, não há necessidade de decisão judicial para tomar essa medida no Executivo. Somente no primeiro semestre deste ano, foram 29 cassações de aposentadorias. Os dados não incluem os empregados de empresas estatais, como a Petrobras, os Correios e a Caixa Econômica.

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