Nem a pobreza nem a doença esmorecem a resistência das mulheres negras

 

Para as mulheres negras, o dia 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha) é quase tão importante quanto o 20 de novembro (Dia da Consciência Negra). Afinal, é nesta data, desde 1992, que elas dão visibilidade a todas as suas demandas sociais. Mostram à sociedade – que continua negando-lhes o acesso a direitos fundamentais – a força de vontade para continuar resistindo até ocupar, definitivamente, o lugar que é delas por direito. A batalhadora de hoje, Josefa Conceição, reafirma que nem a pobreza nem a doença é capaz de aniquilar essa disposição.

Se o fardo das mulheres negras e pobres já é bastante pesado num mundo machista e preconceituoso, imagine quando, além de negra e pobre, elas são portadoras do vírus HIV. Mas, em vez de se intimidar e se esconder, Josefa Conceição preferiu enfrentar mais essa adversidade. “Descobri que era soropositiva aos 26 anos. Portanto, há 22 anos”, conta. O impacto da descoberta deixou a trabalhadora doméstica desnorteada. Principalmente porque tinha acabado de perder uma filha ainda bebê. Mas a descoberta posterior de que os filhos gêmeos não tinham herdado o vírus deu a Josefa um novo fôlego. “Foi a partir daí que me aproximei dos movimentos de enfrentamento à aids”, lembra.

Depois de passar 12 anos trabalhando em uma entidade que acolhia soropositivos, Josefa decidiu sair e tentar voos mais altos. “Era a única mulher na entidade e senti vontade de trabalhar para fortalecer outras na mesma situação que eu”, conta. “Vida de mulher com aids é muita dura. Ela tem muito medo de mostrar a cara.” O grande incentivo veio no curso sobre liderança feminista, que fez no Fórum de Mulheres de Pernambuco. “Quando saí dali, entendi que a felicidade era uma construção e deixei de sofrer. Passei a entender quem eu era no mundo, a compreender o papel da mulher negra e pobre. Quando você aprende isso, ninguém te segura mais”, garante.

Com essa injeção de ânimo, Josefa fundou o grupo Mulheres Atrevidas, em 2013, para reunir soropositivas e discutir acesso à saúde, direitos negados, entre outras questões. “Queria que elas tivessem um pouco mais de autonomia. Uma postura de enfrentamento quando fossem maltratadas no espaço público”, diz Josefa, enfatizando que, se o acesso aos serviços públicos de saúde já é difícil para a mulher pobre e negra, esse grau de dificuldade aumenta quando se trata de uma soropositiva.

Mas, para essa incansável ativista negra, o maior desafio ainda é fazer a mulher negra reconhecer seu poder. “É difícil porque a sociedade diz que não somos importantes”, explica. “Não é fácil ser tratada como uma ameaça à ordem estabelecida pela cor e pelo jeito de vestir. Isso dói muito.” Ela revela que sonha ver as mulheres negras saindo desse lugar de dependência. “Minha maior frustração é não conseguir ver mais mulheres com coragem de falar, de peitar os serviços públicos sempre que seus direitos são negados.”

Josefa também espera que os movimentos sociais adotem uma abordagem para além da estética no que diz respeito à questão racial. “Ainda estão muito preocupados com a forma como os outros nos veem. Mas essa questão vai além da cor da pele. É importante pensar na forma de tratar o outro. Às vezes, o próprio negro provoca dor no negro”, finaliza.

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