Por Marina Pita
Por que um governo juntaria dois ministérios em um momento de crise? Ora, para, na linguagem dos burocratas, “otimizar recursos”.Em termos concretos, isso significa cortes no orçamento e de pessoas. Na prática, descontinuidade política, incapacidade técnica, de proposição e de fiscalização.
E é justamente isso que o governo golpista de Michel Temer propõe com a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. Só não vê quem não quer.
O enxugamento e a extinção de secretarias e de órgãos pelo governo interino podem significar a limitação das pastas às funções cartoriais, meramente de registros, em dois setores estratégicos tanto para o desenvolvimento econômico quanto cultural e emancipatório do Brasil.
Para os setores tradicionalmente beneficiados pela ausência e pela desatualização das regulamentações e políticas para o setor – notadamente o setor empresarial monopolista e oligopolista – este é o cenário ideal.
Não à toa, Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), defende publicamente a fusão entre os ministérios, como demonstrou na terça-feira 28, em audiência pública na Comissão de Ciência Tecnologia e Inovação do Senado Federal.
Já os defensores da comunicação como um direito e da tecnologia a serviço do desenvolvimento social do país estão unidos contra a medida. Se no governo Dilma Rousseff os debates sobre políticas de comunicação já vinham sendo feitos com muita dificuldade, imagine no novo cenário de um ministério de carimbos e moscas.
O Coletivo Intervozes, assim como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), do qual o Coletivo faz parte, entende que o modelo proposto pelo governo interino de Michel Temer irá transformar a aridez de políticas públicas de fomento à diversidade e à pluralidade da comunicação em um completo deserto.
Vale alertar que este deserto de políticas públicas para a garantia da comunicação com um direito não irá apenas estacionar o Brasil na era do coronelismo midiático, onde predomina o apadrinhamento político e o favorecimento interessado das grandes corporações.
Neste momento de desenvolvimento tecnológico do mundo – estamos na era da informação, afinal? –, o modelo proposto pelo governo interino significa relegar o país ao atraso da não consolidação democrática, mas também jogar uma âncora nas possibilidades de avanços econômicos e sociais.
Esta não é uma previsão para o futuro, já está acontecendo.
Conforme noticiou o site Tela Viva, pelo menos um edital de radiodifusão comunitária previsto já foi adiado e possivelmente outros que estavam previstos para o mês de junho devem ter o mesmo destino.
Essa é uma consequência direta da desestruturação do Minicom, cuja Secretaria de Radiodifusão, responsável pelos editais, ainda não foi incorporada na nova pasta. Com isso, ainda segundo o Tela Viva, a situação das rádios destinadas a povos tradicionais de 67 localidades está indefinida.
A nova secretária de Serviços de Comunicação Eletrônica, Vanda Jugurtha Bonna Nogueira, indicada pelo ministro Gilberto Kassab e que atuou em favor de várias emissoras em processos em tramitação na pasta, determinou análise prioritária para casos envolvendo Globo, SBT e Record, entre outros veículos.
Na absoluta escassez, claro que esses serão os grandes priorizados, pela própria característica política dos que estão assumindo a pasta. Gilberto Kassab foi logo se reunir com a Abert, por exemplo, para definir como serão resolvidas as demandas da radiodifusão.
A vontade de Kassab de olhar para o setor não empresarial nas comunicações fica bem evidente em sua declaração: “Nos setores vinculados às comunicações, vamos nos esforçar para incentivar a vinda do maior volume possível de recursos da iniciativa privada, com incentivos trazendo segurança para que os investimentos aconteçam”, conformeregistro da Convergência Digital.
A mesma matéria aponta para a absoluta falta de prioridade na universalização da internet banda larga, colocada pelo ministro como função das empresas privadas, não do poder público.
A população tradicionalmente vulnerável e marginalizada é a que mais perde. Aliás, essa é a tônica das decisões e políticas do governo interino.
São prejudicados não apenas os movimentos sociais e aqueles que enfrentam o preconceito e a falta de acesso à informação de qualidade e aos meios de comunicação para se defender de uma mídia maciçamente conservadora.
Perdem também os músicos, os cineastas, os jornalistas, os atletas, entre outros que vivem na escassez midiática analógica e digital brasileira.
Um país que é uma das dez maiores economias do mundo ainda não decidiu como fará para universalizar o acesso à internet de qualidade e alta velocidade.
E, mais do que isso, o que fazer para o país migrar para o mundo digital de forma a incluir cidadãos para além do consumo: a inclusão digital para a cidadania e a emancipação, como superar desigualdades até hoje presentes no universo analógico.
O governo se defende dizendo que não haverá prejuízo político com a fusão entre o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações. Como não? O caso é apenas economia de um ministro?
Se for isso, então o argumento da Abert e do próprio governo, de que é preciso poupar recursos públicos, é um engodo. Estamos entre mais um engodo ou uma tragédia para as políticas de comunicação e, claro, de tecnologia e inovação. Nenhum dos dois nos parece razoável.
Para encontrar algum conforto neste momento de destruição não só das conquistas recentes da sociedade brasileira e do futuro do país, vale destacar que estão com os setores e movimentos que lutam pela garantia de direitos e democratização dos meios contra a fusão dos ministérios algumas entidades de peso e pessoas reconhecidas por seus méritos intelectuais. É o caso, por exemplo, do matemático brasileiro Artur Ávila, que recebeu a Medalha Fields, o Nobel da área.
A denúncia dos prejuízos que essa fusão traz para o país precisa ser mais uma bandeira na luta contra o golpe institucional que colocou o vice Michel Temer na presidência da República e minou qualquer possibilidade de avanço na conquista de direitos humanos no Brasil.
*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes