“Quem defende a democracia, tem que se posicionar”, defende Muylaert

 

Há uma semana, em um auditório cheio no hotel Copacabana Palace, a cineasta Anna Muylaert ganhou aplausos ao agradecer ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff por serem “pai e mãe das Jéssicas”, em referência à personagem do filme “Que horas ela volta?”.

“Quero dedicar esse prêmio às Jéssicas que estão hoje na universidade e a algumas pessoas que eu acredito que tem muito a ver com isso. Eu entendo essas pessoas como pai e a mãe das Jéssicas. Não no filme, mas na vida real, que são o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff”, afirmou ao receber o prêmio”Faz Diferença” na categoria cinema na noite da quarta-feira passada (23).

O prêmio foi promovido pelo jornal O Globo e, em tempos de polarização política, sua fala viralizou na internet. A presidenta, inclusive, agradeceu o apoio da diretora em sua conta no Twitter. “Fiquei muito feliz c/ o discurso da cineasta @AnnaMuylaert, premiada pelo emocionante filme ‘Que horas ela volta'”, disse Dilma na rede social.

Ao Brasil de Fato, Muylaert afirmou que “quem defende a democracia — e não precisa nem ser a favor do PT—, tem que se posicionar”.

Ela trabalha atualmente na divulgacão do seu novo filme “Mãe só há uma”, estrelado por Naomi Nero, Matheus Nachtergaele e Dani Nefussi. O longa foi bem recebido pelo público e integrou a mostra Panorama do Festival de Cinema de Berlim este ano. Lá, recebeu o troféu Teddy Awards, considerado a premiação oficial do público LGBT do festival.

O filme, que deve estrear no dia 1º de setembro, com distribuição da Vitrine Filmes, promete ser político  — segundo ela, tão político como primeiro – embora de forma diferente. No que tange à diversidade sexual e liberdades individuais.

Confira a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato — Sua fala no “Prêmio Faz Diferença” gerou muita repercussão na internet. Além disso, você assinou o Manifesto “Cinema e Audiovisual pela Democracia”. Como você avalia a conjuntura política e de que forma se posiciona sobre ela?

Anna Muylaert — É tanta notícia, é tudo tão complexo, que eu tenho que dar uma de Glória Pires neste momento… Eu tenho uma opinião específica, mas não tenho informação o suficiente. Acho que está ocorrendo um golpe de Estado, principalmente pelos meios de comunicação de massa, notadamente a Rede Globo e outros, para tirar a presidente de forma ilegal e inconstitucional. Eles estão inflamando os ânimos das pessoas diariamente com notícias falsas, com ficcionalizações, transformando o Lula em um bandido, a Dilma em uma imbecil.

Por mais erros que existam, eles estão protegidos pelos votos, pela democracia. Então, as coisas tem que ser feitas de modo constitucional. Eles chegarem ao impeachment de modo constitucional é uma coisa. De modo inconstitucional, outra. E as pessoas estão entrando nessa ficcionalização. E eu acho que quem defende a democracia, e não precisa nem ser a favor do PT [Partido dos Trabalhadores], tem que se posicionar. Porque o negócio está grave.

Pensando nas personagens do filme “Que horas ela volta?”: se, por um lado, Jéssica, como você disse no prêmio, é um jovem crítica e que podemos ver nestas mobilizações de rua, uma interpretação possível para a Val [personagem de Regina Casé] é que ela talvez pertencesse a uma parcela da periferia que, segundo muitos analistas políticos, não se identifica com o governo nem com os pedidos de impeachment e, por isso, não saiu às ruas. É possível fazer essa aproximação?

Pelo que ouço aqui e acolá, com taxistas e pessoas que eu converso nas ruas, a minha sensação é que cada um vê de seu ponto de vista. Então um fala: “ah, não! Na Dilma, eu não voto mais, porque aumentou os anos para a aposentadoria”. E o outro: “o Haddad não, porque acabou com…”. Cada um está com seu interesse pessoal.

Mas não sei se a Val seria isso ou se nem estaria sabendo… Não quero conectar a Val a nada, porque acho que ela é um personagem muito mais do imaginário afetivo, ligado a práticas escravagistas que duraram muito tempo. A Val é um personagem tão amado, tão amoroso, que eu acho que ela fica fora de qualquer coisa. Ela é um mico-leão dourado, está acabando. Já a Jéssica não, ela é um personagem histórico de fato e está ligada ao nosso atual momento.

Por quê?

Porque, com as políticas do governo PT dos últimos anos, ela deixou de ser uma figura de exceção para ser uma figura com um lugar garantido. Ainda que hoje, pelo que entendo, pelas minhas peregrinações, a Jéssica não faça parte da maioria de uma classe em uma universidade ou faculdade, ela já é bem presente. Há 15 anos, ela seria um personagem de exceção. Hoje, não. Por isso, ela é um personagem novo no cenário.

Existe a percepção de que há uma ascenção do conservadorismo e de figuras como Jair Bolsonaro e Feliciano. Por outro lado, o debate sobre liberdades também é forte. Pensando no seu novo projeto, “Mãe só há uma”, cuja temática é a diversidade sexual: por que a escolha de debater esse tema agora? Você acha que recepção aqui no país vai ser impactada por esses debates mais reacionários?

Justamente. Eu acho que essa onda de conservadorismo que está acontecendo no Brasil, na verdade, está ocorrendo no mundo. Não é exclusiva daqui. E eu diria que tem a ver com a democratização da internet, da informação e do palanque. Hoje, todo mundo tem um espaço e tem voz. Isso é claro fortaleceu muitas vozes, mas também de todos os tipos. Desde as minorias, que na verdade são maioria – mulheres, gays, os trans, as trans – mas também é natural que a direita se levante, dizendo “como assim trans tem direito? Gay quer casar?  Mulher quer se chefe?”. Isso está acontecendo.

O “Mãe só há uma” é um filme que nasceu paralelamente ao Que Horas Ela Volta?, ele não nasceu a partir de um sucesso. O “Que horas ela volta?” fala de separatismo social,  entre outras coisas, e esse novo filme é sobre a derrubada de rótulos. É um filme sobre identidade e que tem a ver com isso que estou falando sobre a Internet; sobre “seja o que você é, mesmo se o que você for seja uma espécie única”.

É um filme que vai ter um espaço menor do que o “Que horas ela volta?” porque é mais experimental, direcionado aos jovens e mais provocativo. Ele não vai ter a mesma importância política, eu acredito. Mas ele também é um filme político, da política da individualidade, vamos dizer assim.

Nestes momentos, como já ocorreu em outros da política brasileira, os artistas tendem a se posicionar, e essa polarização chega ao campo da cultura, seja de um lado a outro. Na sua visão, qual o papel do artista em contextos de embate políticos?

Olha, eu acho que o papel do artista é sempre o mesmo: dizer o que precisa ser dito, com um passo à frente. Então, eu acho que é o mesmo: mostrar o que está acontecendo e não o que estão contando para gente que está acontecendo. Sempre.

Para finalizar: você está na lista de Constantino [Rodrigo, ex-colunista da revista Veja] de artistas para se boicotar. O que você achou de ter seu nome ali?

Esse cara é um bobão. Nunca tinha ouvido falar nele antes. Ele está querendo fazer  uma coisa retrógrada, separar um grupinho de artistas e mandar boicotar… Eu nem levo em conta isso. Muito fora do real e não estou nem aí. Ele não tem poder nenhum, não é nada… Só um bobão.

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