Por Daniel Fonsêca *
Em 2015, a Globo Comunicação e Participações S.A. e suas subsidiárias registraram um lucro líquido de R$ 3,066 bilhões, o que significa um acréscimo de 30% em relação ao valor alcançado em 2014 (R$ 2,357 bilhões).
No último balanço, o Grupo Globo retomou a curva ascendente no lucro líquido, já que em 2014 havia obtido um ganho 6% menor do que o de 2013 (R$ 2,503 bilhões).
Curiosamente, os resultados de 2015 inverteram os sinais: se, no ano anterior, o rendimento caiu apesar do aumento de receita, desta vez, o aumento no lucro líquido ocorre num momento em que o faturamento da atividade-fim está em descenso.
Em 2009, ano de crise mundial, o lucro líquido da Globo foi de apenas R$ 1,904 bilhão. Recuperou-se em 2010, com um pico vertiginoso de R$ 2,744 bilhões, mas, em 2011, o lucro voltou a cair para R$ 2,167 bilhões. Depois, teve novo pico em 2012, com R$ 2,948 bilhões, para, logo em seguida, sofrer forte queda em 2013, quando atingiu R$ 2,503 bilhões de lucro líquido. Em 2014, mais uma baixa, com lucro de R$ 2,357 bilhões.
Em 2015, mesmo com redução na receita, os números mostram novo revés e contrastam com o cenário de crise econômica profunda que o jornalismo do grupo anuncia diariamente. Os resultados foram divulgados em relatório administrativo publicado, no último dia 18 de março, no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro e no site do Grupo Globo dirigido a investidores.
Receita em queda
A receita líquida com vendas, publicidade e serviços, principal fonte da Globo, foi reduzida em mais de R$ 700 milhões: passou de R$ 11,889 bilhões, em 2014, para R$ 11,167 bilhões, em 2015, considerando somente as empresas diretamente controladas, que constituem a Globo Comunicação e Participações S.A.
Apesar disso, a redução, que não chega a 6%, é relativamente compensada na consolidação do faturamento do grupo.
No resultado consolidado com as subsidiárias, o impacto negativo foi menor, com a receita caindo de R$ 16,243 bilhões, em 2014, para R$ 16,045 bilhões, em 2015, numa baixa inferior a R$ 200 milhões, bem menos significativa. De toda forma, a redução, que atinge especialmente as receitas da controladora, interrompe uma sequência de crescimento que o grupo mantinha desde, pelo menos, 2010.
Vale ressaltar que, em 2014, houve forte incremento com os direitos de exibição e transmissão, aqueles relacionados à transmissão e à exibição de filmes, eventos ao vivo e outros direitos. “Os eventos ao vivo compreendem principalmente os direitos de transmissão dos campeonatos de futebol”. Se, em 2013, a Globo (somente a controladora) havia tido um saldo negativo de R$ 308,69 milhões, em 2014, conseguiu o relevante valor de R$ 279,02 milhões positivos, resultado da venda dos direitos de transmissão da Copa da Fifa.
Em 2015, de volta ao número negativo: perda de R$ 608,34 milhões nessa rubrica, apesar de o relatório apontar que esses valores são “amortizados” após a transmissão das partidas cujos direitos adquiriu.
Por outro lado, acompanhando as receitas, os custos da controladora relacionados com a mesma rubrica (vendas, publicidade e serviços), principal despesa do grupo, também tiveram uma pequena baixa, atingindo R$ 7,059 bilhões em 2015 – no ano anterior, chegaram a R$ 7,109 bilhões. No entanto, nos dados consolidados com todas as empresas, houve aumento destes gastos em mais de R$ 300 milhões – de R$ 8,508 bilhões, em 2014, para R$ 8,830 bilhões, em 2015.
Ganhos financeiros
Em todo relatório de administração, como faz qualquer pessoa jurídica, a Globo aponta o “resultado financeiro”, que provém de receitas e despesas relacionadas à negociação de títulos e valores mobiliários, ganhos e perdas cambiais decorrentes da conversão de ativos e passivos monetários em moeda estrangeira, entre outros instrumentos financeiros e derivativos cujas “flutuações são incluídas como receita financeira”.
Apesar de a Globo ser uma sociedade com acionistas, trata-se de um grupo fechado – ou seja, sem oferta de ações nas bolsas. Mesmo assim, um dado que chama a atenção é a brusca mudança dos resultados financeiros registrada em 2015, se comparado ao ritmo percebido nos anos anteriores.
Como mostra a tabela abaixo, apesar de as despesas financeiras terem saltado quase 50% de 2013 (R$ 530,04 milhões) para 2014 (R$ 875,4 milhões), o saldo caiu mais de 80% (de R$ 219,79 milhões para R$ 42,74 milhões).
Em 2015, o Grupo Globo aumentou para R$ 1,471 bilhão as despesas financeiras, com uma receita de mais de R$ 2,100 bilhões, gerando um saldo de R$ 629,08 milhões, o que representou mais de 20% do lucro líquido registrado no exercício.
Ou seja, mesmo sem estar imersa no instável e, hoje, quase imprevisível mundo das bolsas, o grupo vem ganhando bastante com a intensa oscilação do mercado financeiro, especialmente com a vulnerabilidade do câmbio e com a subida da taxa básica de juros.
No próprio relatório, a Globo faz referência a operações de swap e hedge, que são operações de troca de posição entre investidores que buscam cobertura de risco e de rentabilidade. Esses instrumentos envolvem a reversão de taxas de juros prefixadas em pós-fixadas (ou vice-versa), no caso do swap, ou a compra e a venda simultâneas de moedas estrangeiras, no caso do hedge (também conhecido como swap cambial).
“Compromisso inalienável com o Brasil”
O relatório de administração do Grupo Globo foi auditado, ou seja, finalizado no dia 08 de março, quatro dias depois da “condução coercitiva” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e divulgado dez dias depois, quando o país já estava no auge da crise política que envolve amplos setores da sociedade civil.
Embora, na apresentação do balanço, os proprietários da Globo assegurem que estão “cada vez mais comprometidos com a nossa missão de criar, produzir e distribuir conteúdos de qualidade que informem, eduquem e divirtam, criando valor para todos com quem nos relacionamos” e destaquem que “temos um compromisso inalienável com o Brasil e com a sociedade brasileira”, nos últimos meses, sobretudo, como o Blog do Intervozes tem mostrado, tornou-se notório o engajamento das emissoras do Grupo Globo na construção de uma narrativa sobre a crise.
Abrindo mão de qualquer isonomia e ponderação, sua cobertura tem sido fundamental para revestir de legalidade e legitimidade a tentativa de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Como os dados mostram, não é certo apontar uma suposta crise financeira dos irmãos Marinho como causa maior para o posicionamento em defesa da mudança de um governo que não enfrentou o seu poder.
Afinal, os governos petistas sempre buscaram ajudar o grupo tanto financeiramente quanto politicamente, sobretudo diante de medidas que poderiam impactar profundamente a radiodifusão tradicional, como a digitalização dos sinais da TV.
No entanto, as notas do grupo nas “agências de risco” internacionais naufragam juntamente com as do país. A crise também não o favorece, porque subtrai ingressos de verbas publicitárias e de outros projetos junto a empresas privadas.
Politicamente, sua participação no processo mostra capacidade de direção e incidência em um momento histórico de recomposição das forças de poder no País e de questionamentos sobre a importância da radiodifusão, dada a presença da internet.
Além disso, não é possível descartar a afinidade de seus dirigentes e mesmo dos jornalistas, como este blog também tem mostrado, com o pensamento conservador que cresce no País.
Trata-se, portanto, de uma costura de interesses políticos e econômicos, permeada por aspectos simbólicos, que parece levar o principal conglomerado midiático da América Latina a buscar um cenário mais confiável e estável, no qual exerça, mais uma vez, a sua hegemonia.
Para os analistas dos meios de comunicação, fica o desafio de compreender as motivações do Grupo no bojo dos eventos do presente e, decididamente, dos que serão desenrolados no caso de uma mudança no controle do poder político do país.
*Daniel Fonsêca é jornalista, integrante do Intervozes e doutorando em Comunicação Social pela UFRJ