O papel da mídia nas manifestações do 13 de março

* Por Bia Barbosa e Helena Martins

Os números da Polícia Militar apontam para mais de 3 milhões de pessoas nas ruas em todo o Brasil no domingo 13. Seria, de acordo com a imprensa, a maior manifestação da história do País – maior que as Diretas Já e que os atos de junho de 2013.

Foram os resultados das investigações do Ministério Público e da Polícia Federal os responsáveis por mobilizar tanta gente? Foram as delações premiadas da Operação Lava Jato? Os inúmeros erros dos governos Lula e Dilma, ao longo de 13 anos? Foram os recursos dos partidos de direita usados para convocar e levar muitos pras ruas?

Foi tudo isso. Mas nada teria a dimensão alcançada sem o papel estrutural dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade.

Ilude-se quem acredita que à imprensa coube apenas cobrir as manifestações espalhadas nos 26 estados da federação e no Distrito Federal. A mídia foi um componente central de sua própria concretização.

Algo que se deu não só com a vinheta do “Vem Pra Rua”, tocada ao longo de 24 horas por dia na Rádio Transamérica de São Paulo, ou com o assustador editorial do Estadão deste domingo, que convocou “os cidadãos de bem” a “mostrar seu poder inequivocadamente”, valendo-se, para isso, de uma série de adjetivos e acusações de crimes que não apenas negava, mas destruía seus opositores.

Esses são exemplos claros da atuação midiática. A formação da opinião pública, contudo, pode ser um processo sutil. Não precisa transpirar ódio – aliás, é melhor que não o faça, senão o jogo fica muito descarado. Vale mais apostar em frases simples repetidas à exaustão e na invizibilização de opiniões divergentes – rasgando qualquer manual de bom jornalismo.

Foi o que assistimos pelo menos nos últimos 15 meses, quando a mídia, de forma sistemática, colou a ideia da corrupção em apenas determinados grupos e consolidou a avaliação de que este é “o pior governo de todos os tempos”. Isso culminou em narrativas capazes de convencer qualquer “cidadão de bem” de que sua obrigação cívica, neste dia 13, era mesmo ir para as ruas.

Desde o dia 4 de março, uma sucessão de episódios que revelam a articulação íntima entre mídia e Judiciário foi, aos poucos, convencendo parte expressiva dos brasileiros a participar dos protestos deste domingo – e, com isso, impor uma solução final à crise política que abala o Brasil.

vazamento da suposta delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), aproximando cada vez mais as denúncias de corrupção do núcleo do poder e do ex-presidente Lula, seguido imediatamente do espetáculo criado em torno da condenávelcondução coercitiva deste e, por fim, pela aula de manipulação da opinião públicaministrada pelo principal telejornal brasileiro, no mesmo dia, são mostras da participação central da mídia no jogo político.

Na quinta-feira 10, promotores de São Paulo pedem a prisão preventiva de Lula. A peça jurídica é criticada por juristas, especialistas e inúmeros membros do Ministério Público. Novamente, a crítica não ganha espaço no Jornal Nacional.

No sábado 12, o telejornal destina sete minutos para negar o pedido de direito de resposta do Instituto Lula acerca da cobertura da emissora sobre este fato. A emissora se diz “surpreendida” por ser chamada a cumprir uma lei em vigor no Brasil – que tem o objetivo, exatamente, de garantir o princípio constitucional do equilíbrio jornalístico e o direito de não ser ofendido nos meios de comunicação.

Nega a resposta e veicula, no lugar, um editorial apaixonado em que reitera acusações e defende o que considera sua missão: “informar o povo, respaldada pela Constituição”, “com serenidade e sem nada a temer”.

Para fortalecer seu argumento, a mesma edição do JN publica nota da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) contra qualquer tentativa de intimidação à imprensa. Numa retórica que inverte a lógica das coisas, a empresa utiliza-se do discurso de defesa da liberdade de imprensa pra seguir sua atuação autoritária, avessa à pluralidade de pensamento no País.

Ao longo da semana, diferentes matérias vinham reforçando a ideia de que “os militantes do PT têm agredido jornalistas nos protestos”. Protege-se, com isso, da crítica dos envolvidos em suas matérias e da opinião pública, ao passo que continua a manipulá-la.

Ao longo desses dias, afirmações como “o governo está encurralado”, “Dilma não tem condições de superar a crise”, “a economia só piora”, “o PT está dividindo o país”, “o PMDB tem 30 dias para decidir se vai pular fora” e “tudo depende do que acontecerá no dia 13” foram propagadas aos quatro cantos, sem cessar. O roteiro parecia tão certo que uma das principais comentaristas de política do país chegou a tratar Dilma como “ex-presidente”.

O domingo, 13

Às 9h de domingo, a GloboNews dá início à sua cobertura ininterrupta, que se prolongou por mais de 12 horas, das manifestações. Não foi preciso muito esforço – nem uma convocatória explícita – para levar os brasileiros às ruas. O cenário já estava montado.

Ao longo do dia, repórteres e comentaristas se revezaram para enaltecer os protestos, repetir à exaustão, a cada cidade noticiada, os motivos que já estavam claros para os telespectadores, e jogar sobre os atos um peso decisivo sobre o processo de mudanças no comando do governo federal.

A comentarista Cristiana Lobo sentenciou que “o governo não reúne mais energia para resolver o problema da economia, nem para reaglutinar a base no Congresso, nem para responder às denuncias da Lava Jato. Está nocauteado”.

Para ela, “os problemas foram se acumulando e as respostas não vieram, por isso as manifestações cresceram”. “É evidente que as delações têm valor e vão chegar em algum momento ao governo, porque eles dizem que foram desviados recursos para as doações de campanha”, acrescentou.

Horas antes, Cristiana já havia afirmado que as manifestações alimentariam um desfecho para a crise, “e um desfecho com a Dilma não agrega… O Brasil está perdendo o bonde da história”.

“Podemos chegar ao final do dia sem a ideia de que o país está dividido”, avaliou Renata Lo Prete. “Imagina o efeito de uma onda; todo mundo é arrastado um pouco. Quem estava se agarrando ao governo ou fazendo conta de que valia ficar ao lado do governo vai rever essa conta. Tudo vai se precipitar porque a rua mandou um recado muito forte”, sentenciou. “Os perdedores claros são Dilma, Lula e o PT”.

Na TV aberta, o tradicional filme das tardes de domingo também foi suspenso para dar espaço à cobertura ao vivo do que se passava na Avenida Paulista, em São Paulo.

“Agora há pouco a gente presenciou o momento mais emocionante das manifestações. A FIESP jogou balões verdes e amarelos contra o número de impostos que os brasileiros pagam. Foi um movimento muito forte, as pessoas aplaudiram, foi uma emoção aqui”, declarou um repórter. Outra jornalista não conteve o entusiasmos e afirmou: “está linda a festa”.

Seletividade

Ao longo das doze horas de cobertura na GloboNews, diversos funcionários da emissora apresentaram sua leitura do mundo como se fosse a verdade absoluta. Aécio Neves e outras lideranças pró-impeachment tiveram espaço para declarações. A nota pública lançada pelo juiz Sérgio Moro foi lida. O contraditório, entretanto, não existiu.

Nem com convidados que pudessem trazer outra leitura dos fatos, como analistas políticos ou juristas críticos aos excessos da Lava Jato, nem com representantes do governo, nem com lideranças do Partido dos Trabalhadores, acusados de criminosos durante todo o dia. Opções não faltariam. Elas, contudo, foram descartadas em nome de uma cobertura repetitiva, tendenciosa e totalmente adequada aos interesses da emissora.

A mesma seletividade se repetiu no programa nobre da noite, agora na TV aberta. Em trinta e cinco minutos de Fantástico, coube ao PT apenas 45 segundos de fala; à Secretaria de Comunicação da Presidência da República, 30 segundos; e, aos protestos pró-governo, que também aconteceram pelo país, menos de 2,5 minutos.

A reportagem de abertura do programa, que teve 17 minutos de giro nacional e internacional sobre os atos, não teve qualquer contraponto. O bloco sobre as manifestações foi encerrado com mais de 6 minutos sobre novas táticas e descobertas da operação Lava Jato, selando um domingo nada plural – e triste – para o jornalismo brasileiro.

Como dissemos no último artigo publicado neste blog, compreender este cenário e as peças que os meios de comunicação são capazes de mover com velocidade no tabuleiro se mostra tarefa cada vez mais estratégica.

Principalmente para aqueles que, defendendo ou se opondo ao governo Dilma, acreditando ou não em Lula, entendem que a saída para a crise deve ser construída, necessariamente, dentro de regras democráticas. Ou seja, sem espaço para o golpismo político ou midiático.

* Colaborou Iara Moura. Bia Barbosa, Helena Martins e Iara Moura são jornalistas e integrantes do Conselho Diretor do Intervozes.

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