Em jornada de lutas, mulheres denunciam impactos do agronegócio no campo

 

 

 

A poucos dias do Dia internacional da Mulher, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizam a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres do movimento. Com o lema “Mulheres na luta em defesa da natureza e alimentação saudável, contra o agronegócio”, as mobilizações abrem o calendário de lutas deste ano. Desde a semana passada até o dia 8 de março, as organizadoras esparam reunir cerca de 20 mil militantes em todo o país.

A escolha do tema foi motivada pelo avanço do agronegócio em detrimento ao projeto de agroecologia, conta Kelli Mafort, membro da direção nacional e integrante do Coletivo de Mulheres do MST. Estima-se que cada brasileiro tenha consumido, em 2014, 7,3 litros de agrotóxicos. “São dados alarmantes que colocam também as mulheres dentro desta pauta”, diz a militante.

Neste ano, a jornada também denuncia os impactos deste modelo na vida das mulheres camponesas e sua relação com pautas como a reforma da Previdência Social e a perda de direitos trabalhistas. O governo federal anunciou em janeiro que pretende enviar ao Congresso uma proposta de reforma do sistema, modificando as regras atuais para aposentadoria com o objetivo de reduzir os gastos com aposentadorias. Movimentos analisam que as mulheres camponesas devem ser as mais afetadas pela alteração na legislação.

Mafort pontua que a importância da jornada não fica restrita apenas aos atos, mas se amplia à preparação para outros atos nos 27 estados. “É também um momento de estudo para gente. Durante a articulação, também fazemos estudos sobre desigualdade de gênero, a violência, a necessidade da importância de autorganização das mulheres e o tema do feminismo”, disse.

Confira a entrevista:

Qual expectativa da organização deste ano? Serão quantos atos e em quais estados?

A jornada das mulheres do MST deste ano vai ocorrer de 4 a 8 de março em todos os estados. Em alguns, as mobilizações vão acontecer em torno das grandes regiões, mas todos estarão mobilizados. Nossa expectativa é mobilizar de 15 a 20 mil mulheres sem terra.

Além do MST, quais são outros movimentos camponeses articulam, apoiam e participam que da Jornada deste ano?

A jornada acontece junto com movimentos da Via Campesina e também de movimentos urbanos. É organizada pelo MST, a partir das articulações e dentro das relações políticas que se estabelecem a partir de cada estado. Vamos contar com a participação de companheiras de outras organizações como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA), Movimento dos Trabalhadores Acampados e Assentados (MTA) e também com o apoio de mulheres urbanas de movimentos sociais e sindicais.

O lema deste ano é um chamado à defesa da natureza e alimentação saudável. Quais os principais acontecimentos e análise de conjuntura deste ano que resultaram na escolha desta pauta?

Temos como tema principal a questão da luta contra os agrotóxicos, que tem aumentado de maneira avassaladora no Brasil, que é o país que mais tem aumentado o consumo de agrotóxicos no mundo. As estatísticas mostram que o consumo por pessoa aumentou para 7,3 litros de veneno por ano. São dados alarmantes que colocam também as mulheres dentro desta pauta, contra os agrotóxicos e os transgênicos.

A mineração também é outro tema. Vamos denunciar a Vale e a Samarco pelo grave crime de matar o Rio Doce e também pessoas naquela região de Minas Gerais pelo rompimento da barragem em novembro do ano passado, mas também por toda ação devastadora que a atividade causa ao país.

Os direitos sociais também vão ser abordados. Dentro desta luta vamos somar à luta do 8 de março o grito contra a retirada dos direitos sociais das trabalhadoras pela crise, em especial contra a reforma da previdência.

Outro tema que será destacado este ano é a reforma da previdência. Por que estes benefícios e especificidades de classe e gênero são importantes na atual legislação? Como sua alteração afeta especificamente as mulheres do campo?

A reforma afeta todo o conjunto de trabalhadores, em especial os segurados especiais da previdência rural. E, dentre eles, as que mais serão prejudicadas são as mulheres porque há uma pressão pelo estabelecimento pela idade única para aposentadoria. Dentro da discussão sobre o ajuste fiscal, tanto no Congresso como no posicionamento do próprio governo a ideia é tornar ainda mais agressivo, não só do orçamento, mas com o discurso de que a previdência social representa um rombo para os cofres públicos, o que temos  discordado de forma reiterada.

As mulheres são as mais afetadas porque hoje elas podem se aposentar aos 55 anos, diferente dos homens que se aposentam aos 60 anos. Aponta-se que os segurados rurais são os que mais consomem sem uma contribuição. Isso são 5 anos a menos do que os trabalhadores urbanos, principalmente por conta do trabalho penoso na agricultura. E, no caso das mulheres, reconhece-se a intensa jornada de trabalho, com todas as tarefas que são atribuidas a elas na agricultura, seja na roça, como nos cuidados da casa. Ou seja, dessa forma, do jeito que está hoje, a previdência reconhece a desigualdade de gênero. E a ameaça que estamos enfrentando é a institucionalização de uma idade única para homens e mulheres rurais em uma clara tentativa de diminuir o número de segurados especiais da previdência.

Neste cenário, como a opção pelo modelo do agronegócio no País, outra pauta das jornadas, se relaciona com a reforma da Previdência e impacta as mulheres do campo?

Este ano completa-se 10 anos da ação que as mulheres do MST fizeram na empresa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, com a denúncia do deserto verde com o eucalipto. De 2006 para cá, nas lutas do 8 de março, tentamos sempre vincular os temas das nossas pautas econômica, como a aposentadoria das mulheres, com os grandes temas que bloqueiam o acesso à terra – que, na nossa visão, é justamente o modelo do capital, agronegócio, da mineração. Então é uma forma de dizermos: não sai terra porque e em 2015  nenhum decreto de desapropriação para a reforma agrária por causa da prioridade dada ao agronegócio e ao modelo da mineração pelo estado brasileiro. Então, nesta luta das mulheres, estamos articulando tanto o aspecto econômico, e as necessidades diretas das mulheres sem terra, como também este aspecto político, que é a crítica  a este modelo.

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