A condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor na nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã desta sexta-feira (4) pela Polícia Federal (PF), é preocupante, segundo juristas ouvidos pelo Brasil de Fato.
O professor de direito constitucional da PUC-SP, Pedro Serrano, afirma que não há fundamentação jurídica, do ponto de vista técnico, para a conduta. “A meu ver, a função desta ilegalidade é política: construir uma narrativa acusatória com a finalidade de desconstruir a imagem política dele [Lula]”, disse o professor.
Para Serrano, o argumento dado pelo Ministério Público Federal (MPF), de que ações preventivas visam proteger a segurança dos depoentes, é inconsistente. “O que houve foi um vazamento de informação de uma operação, que deveria ser ao menos sigilosa, para poder expor o ex-presidente”, avaliou.
O presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), André Bezerra, explica que o mandado de condução coercitiva não serve para testemunhas que são convidadas a prestar depoimento. Bezerra pondera ainda que, mesmo se intimado, um cidadão não pode ser obrigado a se deslocar de sua cidade para cumprimento da ordem judicial. “Neste caso específico, não sei se houve ilegalidade. Não li os autos, mas é uma situação que me preocupa porque se tornou um verdadeiro circo. Isso jamais pode ser o objetivo de qualquer processo”, ponderou.
Show midiático
O procedimento correto, segundo Pedro Serrano, seria combinar com a defesa a apresentação do ex-presidente em “um lugar discreto e sem nenhuma divulgação para a mídia”. De acordo com o professor da PUC-SP, eles fizeram da operação um ato de espetáculo. “O editor da [revista] Época anunciou a operação às 2h da manhã [pela rede social Twitter], e, às 6h, a Globo já estava filmando”.
Serrano faz menção aos tweets do editor-chefe da revista Época, Diego Escosteguy, na madrugada desta sexta. “Quase duas da manhã. Poucas horas para um amanhecer que tem tudo para ser especial, cheio de paz e amor”, publicou Escosteguy. “Vamos observar com atenção as próximas horas. Elas não serão fáceis. Notícias concretas assim que possível…”, escreveu. Já a Rede Globo transmitiu ao vivo o mandado de busca na residência de Lula, em São Bernardo do Campo (SP).
O jurista Marcello Lavenère também estranha a espetacularização em torno das ações realizadas pela PF. “Cada uma dessas fases, desde a primeira, é precedida de uma cobertura midiática que não sabemos de onde veio, provavelmente por vazamentos seletivos”, disse ele que considera que o andamento da Lava Jato está “fora de controle”.
Bezerra acredita que o mandado de hoje abre precedente “perigosíssimo”, pois pode ser um pretexto para se levar qualquer pessoa à força para prestar um depoimento ou fazer alguma declaração.
No caso de Lula, ele explicita as motivações políticas da ação. “Temos que tomar cuidado quando se fala em uma personalidade pública, que tem milhões de votos, com os interesses que podem estar por trás disso e para que o Judiciário não seja instrumentalizado para interesses partidários”, finaliza.
Lavenère partilha da opinião de Bezerra: “Quando fazemos estas ponderações, não estamos preocupados em defender diretamente a pessoa presidente Lula. O que me preocupa é que as garantias constitucionais devem ser mantidas, até mesmo daqueles que bateram palma para a violação que ocorreu hoje”. Ele também aponta que “o uso político e revanchista do instituto constitucional é abusivo”.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 260, é claro: “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. Essa é a primeira intimação de Lula feita na esfera federal.
Posicionamento da OAB
Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello Lavenère não quis opinar sobre os comentários de Claudio Lamachia, do atual presidente nacional do órgão. Lamachia defendeu a nova fase da Lava Jato e afirmou que não haveria “problema algum” na condução coercitiva de Lula para depor.
“Teria dificuldade de comentar uma declaração da OAB, mas posso dizer que a biografia, a ordem, não é compatível com os procedimentos da Lava Jato, que reconhecidamente tem servido a uso políticos e tem violado garantias constitucionais. Isto não são é compatível com sua história de luta”, criticou.
O jurista, que também foi autor do pedido de impeachment do Fernando Collor de Mello em 1992, acredita que os acontecimentos de hoje são um prato cheio para quem defende a abertura de um pedido de impeachment contra Dilma Rousseff (PT). “Aqueles que querem praticar esse golpe que é o processo de impeachment contra a presidente, que na minha visão é natimorto, agradecem o prato cheio que a Operação Lava Jato ofereceu”.