Movimentos populares que atuam na questão urbana participam do encontro “Rumo à Conferência Habitat III”. As contribuições de entidades da sociedade civil garantiram que o conceito de direito à cidade seja incluído na posição brasileira a ser levada às Nações Unidas.
Organizada pelo Ministério das Cidades, a atividade ocorre na Praça das Artes, região central de São Paulo (SP), entre esta segunda-feira (29) e terça-feira (1).
Por meio do Conselho das Cidades, órgão participativo ministerial, o evento tem o objetivo de reunir gestores públicos, especialistas em desenvolvimento urbano e representantes de movimentos populares para debater e fortalecer a participação do Brasil na Terceira Conferencia das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, a Habitat III, que deve formular uma Nova Agenda Urbana (NAU).
Como preparação para a Habitat III, eventos como o Encontro Rumo à Conferência, pretendem contribuir para a elaboração do Relatório Nacional brasileiro que irá compor a construção da NAU. Os Relatórios Nacionais são requisitos de todos os países para a Conferência, e a ONU ressalta que sua elaboração deve ser feita de maneira inclusiva e participativa, envolvendo a sociedade e os governos locais.
Segundo o Diretor Regional da ONU – Habitat para a América Latina e Caribe, Elkin Velazquez, o Brasil tem um papel muito importante na liderança assertiva dos processos de negociação do documento. Para Velasquez, além do modelo de produção coletivo e participativo do Relatório Nacional, o país tem contribuído muito para a discussão sobre o direito à cidade. Segundo ele, a pauta, além de muito subjetiva, não tem sido bem recebida pelos países da Europa e pelos EUA, principalmente diante da crise econômica mundial.
Para Miguel Lobato, membro do Conselho das Cidades, o Brasil tem condições de ser o protagonista da Habitat III, e a garantia do direito à cidade no relatório brasileiro foi uma das principais lutas dos movimentos populares e da sociedade civil. “Nós defendemos que o direito à cidade seja um direito fundamental à pessoa humana. É óbvio que não é fácil discutir esse tema em um país que tem na sua essência burocrática a propriedade [privada], e a terra como status quo da burguesia, mas nós já conseguimos colocar esse direito no documento inicial”.
Lobato destaca ainda a importância de expandir esse debate para a América Latina, uma vez que seria mais fácil dialogar com a Europa e com os EUA através de uma posição em bloco. “Os países da Europa não querem mais absorver nenhum direito fundamental hoje em dia”, afirma Lobato, que é um dos nomes para representar os movimentos populares na delegação brasileira para a Conferência da ONU.
Cidades Insurgentes
Uma das mesas do evento, realizada nesta segunda-feira (29), contou com a presença do urbanista e Secretário Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo, Nabil Bonduki, e do Coordenador do Cooperifa, Sérgio Vaz, para debater as mudanças proporcionadas por iniciativas populares e coletivos urbanos nas cidades.
Para Bonduki, cidades insurgentes são cidades que buscam se renovar: “Essa revolução do espaço muitas vezes se dá pelo seu uso e pela forma como a sociedade se apropria desse espaço para garantir uma cidade mais solidária”. Bonduki também foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, sancionado pelo Prefeito Haddad em 2014, e ressaltado por Velazquez como um exemplo internacional de integração e direito à cidade.
O secretário destacou iniciativas como a redução da velocidade dos veículos e os corredores de ônibus, como exemplos de novos paradigmas urbanos que têm pautado discussões na cidade. “Estamos construindo em uma nova maneira de ocupar as cidades sem que necessariamente isso signifique fazer obras, é uma agenda que coloca outras referências”, afirmou Bonduki.
Já o poeta Sérgio Vaz, denunciou em sua fala a violência do tratamento urbano dado à população periférica. Morador desde pequeno da periferia paulistana, Vaz emocionou o público do evento contando sua história e percepções sobre o espaço urbano.
“Para a periferia a cidade sempre nos maltratou. Mas a gente era feliz porque criança só descobre que é infeliz quando vira adulto. Na minha rua não tinha asfalto, eu achava que o planeta se chamava Terra porque as ruas não tinham asfalto. Quando eu ia ao centro eu dizia ‘vamos à cidade’. Quando fui pro Bixiga pela primeira vez, era como se eu tivesse descoberto que era pobre, ficava pensando ‘por que a gente não tem isso?’. Se eles não nos deram, vamos criar tudo isso”, desabafou o poeta, explicando a criação da Cooperifa.
“A gente não admite ser pobre, a gente não admite não ter coisas. Cansamos de esperar que a cidade fizesse alguma coisa por nós e fizemos alguma coisa pela cidade”, concluiu Vaz, humanizando o encontro e ilustrando a importância da construção participativa, com inclusão periférica, da posição brasileira para a Habitat III.
Contexto
A Habitat III faz parte do ciclo de conferências mundiais periódicas sobre desenvolvimento urbano que ocorrem a cada 20 anos. Neste ano será sediada em Quito, Equador, no mês de outubro, e contemplará, principalmente, a construção de uma Nova Agenda Urbana (NAU) mundial, com o objetivo de estabelecer paradigmas para resolver problemas históricos sobre o território das cidades e sua relação com o campo, além de questões como desigualdade social e migração.
No Brasil, o relatório foi criado por meio do Conselho Nacional das Cidades e da plataforma online “Participa.br”. A sistematização do processo foi realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).