A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) comunicou em Plenário que a bancada feminina no Senado faz reunião nesta terça-feira (23) para definir as prioridades para este ano e também a pauta do mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher.
A sub-representação feminina na política ainda é uma preocupação das mulheres, disse Vanessa Grazziotin, que é procuradora da mulher no Senado. Ela acrescentou que em breve a Procuradoria da Mulher apresentará um mapa com o ranking da presença feminina na política, mostrando essa realidade em todos os estados e em todos os níveis.
Vanessa Grazziotin também informou que a Procuradoria apresentará um relatório de suas atividades em 2015, com destaque justamente para a Campanha Mais Mulheres na Política e também para CPI mista que investigou a violência contra a mulher.
Para a pesquisadora Luciana Ramos, da da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), além de integrante da equipe do Índice de Confiança na Justiça (ICJ Brasil), a falta de representação feminina no Congresso se reflete diretamente na ausência de políticas públicas para as mulheres, criando barreiras para a descriminalização do aborto, o aumento da licença paternidade e o fomento à construção de creches.
No Brasil, a presença feminina na política é minúscula, e gira em torno de 10% no Legislativo, sendo que elas são pouco mais da metade da população. Desde 1997, a legislação eleitoral exige que 30% dos candidatos de cada partido sejam mulheres, mas a lei é “driblada” pelas siglas, que costumam usar candidatas “laranja” sem qualquer perspectiva de se eleger.
Nesta entrevista a CartaCapital, Luciana Ramos falou sobre os reflexos dessa desigualdade de gênero na política e o que o Brasil pode fazer para sair do 156º lugar no ranking de 188 países que avalia a representação feminina no Parlamento.
Leia a entrevista:
CartaCapital: Por que é importante ter uma representação feminina mínima no Congresso?
Luciana Ramos: A sociedade brasileira e seu eleitorado são compostos por uma maioria de mulheres e existir apenas 10% de representantes delas no Parlamento denota uma discrepância enorme. Se as pessoas sub-representadas têm presença nos processos de decisão, elas têm chances maiores de assegurar as demandas e necessidades deste grupo. O que mais importa é que os espaços de tomada de decisão precisam ser compostos por pessoas com diferentes perspectivas sociais. A sub-representação feminina no Congresso afeta direitos sociais da mulher. Certamente uma maior presença feminina na política impactaria muito na formulação de políticas públicas – diferentes daquelas que são formuladas por homens. Isso impactaria diretamente na questão de aborto, de aumento da licença paternidade, sem falar em outras questões como políticas públicas de creches, entre outras.
CC: O Brasil ocupa o 123º lugar no ranking de presença de mulheres no Congresso, o que significa uma das últimas posições no mundo. O que explica a baixa representação feminina na política brasileira?
LR: Existem quatro razões. A primeira delas diz respeito ao tipo de legislação que temos, que não prevê, por exemplo, nenhum tipo de sanção em caso de descumprimento dos 30% de cotas de gênero conforme consta na lei federal de 1997. A cota mínima de 30% nunca foi cumprida. Em 2014, foi a primeira vez em que se chegou a 30%. Isso é um problema da política pública. Antes se dizia que os partidos políticos deveriam reservar uma cota de 30% para candidatas mulheres e, a partir de 2009, o termo é “preencher”. E, com isso, os partidos passaram ao menos a lançar as candidaturas porque antes as vagas ficavam reservadas, mas não eram ocupadas porque os partidos alegavam desinteresse das mulheres.
CC: O sistema eleitoral também influi sobre a baixa representação feminina no Congresso?
LR: Sim, esse é segundo motivo. O nosso é com lista aberta, diferentemente da Argentina, que tem lista fechada. Sob este sistema, é possível prever a ordem dos candidatos e, com isso, garantir as cotas para mulheres. Ou seja, a cada três candidatos é preciso ter outro do sexo oposto. Com a lista aberta há uma disputa de candidatos por tempo na televisão e recursos de campanha, ou seja, fica mais difícil de conseguir fazer este ordenamento. No modelo distrital, por exemplo, se reproduz o que já acontece em cidades pequenas no Brasil, onde muitos partidos dizem que não há liderança feminina ou candidatas interessadas. Ou seja, quanto mais uma área geográfica é reduzida em distritos, mais difícil pode ficar para as mulheres daquela região se organizarem dentro deste limite geográfico, o que dificultaria ainda mais a eleição de mulheres.
CC: Quais medidas aumentariam a participação feminina no nosso modelo eleitoral atual?
LR: O financiamento de campanha é fundamental. É outro razão para a baixa representação. O modelo de financiamento que chega até as candidaturas de mulheres é o do fundo partidário ou o de doações de pessoas físicas. As empresas dificilmente colocam dinheiro na campanha de mulheres, a não ser que sejam mulheres muito destacadas como a Marta Suplicy e a Kátia Abreu. Mas, em geral, a iniciativa privada investe pouco.
CC: A proposta de reforma política aprovada em primeiro turno na Câmara prevê a doação de empresas restritas a partidos. Isso ajudaria a ter uma divisão de recursos mais justa entre candidatos homens e mulheres?
LR: Não necessariamente. Também há um problema em como ocorre a seleção de candidatos e de distribuição de recursos dentro dos partidos. Ou seja, ainda que se criem mecanismos institucionais que garantam dinheiro para o partido e não para candidatos, tudo vai depender de como o partido distribui isso. Esse é o quarto e maior problema: qual é o processo de recrutamento dentro do partido? E como se distribui recursos para as campanhas? Isso não é igualitário.
CC: As mulheres, nos últimos 50 anos, vêm conquistando espaço no mercado de trabalho e nas universidades em uma velocidade bem maior do que na política ou nos partidos. Por quê?
LR: Isso é verdade em parte porque, ainda hoje, poucas mulheres ocupam espaços de decisão e poder no mercado de trabalho. E nem nas universidades. O problema na política é maior porque as mulheres não chegam nem nas bases.
CC: Qual é papel dos tribunais eleitorais na garantia destes direitos?
LR: É muito importante e pode ser tanto positivo quanto negativo. No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teve o papel de reforçar e ampliar a participação da mulher na política com base na legislação existente. Como a legislação brasileira para este tema é muito incipiente, o TSE criou resoluções e interpretações da lei que beneficiaram a maior participação da mulher. Por outro lado, o tribunal também julgou impossível determinar quais partidos preenchiam as candidaturas femininas com candidatas “laranja”, ou seja, que não tinham a pretensão de se eleger. Por isso, a Justiça tem um papel importante nesta discussão, porque ela é a responsável por fiscalizar e julgar o respeito à política de participação mínima de gênero.
CC: Apesar dos problemas citados, o eleitorado brasileiro é composto por 52% de mulheres. Falta organização para as mulheres votarem em mulheres?
LR: Dois motivos explicam isso. O primeiro é a falta de preocupação do movimento feminista em ter uma mulher na esfera política de representação. Nunca o movimento feminista no Brasil conseguiu eleger uma candidata mulher para deputada ou senadora. O outro motivo é a cultura patriarcal e ultraconservadora brasileira. Se uma parlamentar mora em um estado diferente de Brasília é mais difícil para a mulher, que é colocada na posição de única responsável pelos filhos, ter essa mobilidade de viajar até Brasília e voltar para seu estado toda semana. Outro fator complicador são as reuniões partidárias aos finais de semana, que é o tempo em que a mulher é obrigada a passar com a família. Ou seja, há uma série de mecanismos estruturais que impedem a maior participação da mulher.