A Operação Lava Jato tornou costumeira uma prática que o Supremo Tribunal Federal (STF) não trata com a devida transparência. Inquéritos ou outros procedimentos abertos para investigar autoridades suspeitas de crime são mantidos no mais alto grau de segredo.
Os chamados processos ocultos, ao contrário dos casos que tramitam sob segredo de Justiça, nem sequer aparecem no sistema do tribunal e não podem ser consultados por ninguém – apenas pelo ministro-relator e pela Procuradoria Geral da República -, nem durante a tramitação, nem mesmo depois que são arquivados.
De acordo com integrantes do Ministério Público, a manutenção de processos ocultos visa proteger as investigações – inclusive sua existência. A simples decretação do sigilo judicial não seria suficiente para garantir a confidencialidade necessária para a busca de indícios e provas, conforme a opinião de alguns procuradores.
Mas o secretismo, aparentemente, não oculta apenas os processos em curso no STF. O Supremo mantém ocultos mais de 700 processos já arquivados – casos encerrados e que, por isso, não precisariam dessa blindagem.
Por conta desse procedimento interno, não é possível saber quem foi investigado pelo STF, que passos foram dados durante a apuração, por quanto tempo o procedimento tramitou na Corte – se ficou parado ou se seguiu seu curso normal -, qual era a suspeita e qual foi o motivo para o encerramento do caso.
Nem a imprensa pode exercer sua atividade de controle, nem o eleitor pode saber se determinada autoridade foi investigada e por que suspeita.
Procurado, o Supremo não se manifestou sobre o assunto. Mas assessores da Presidência admitem que o ministro Ricardo Lewandowski pretende discutir em sessão administrativa a alteração dessa regra. Não adiantam se a prática de manter processos ocultos seria extinta ou se, ao menos, processos arquivados deixariam de ser secretos.
Descoberta
O Supremo Tribunal Federal não informa quantos procedimentos, como petições ou inquéritos, tramitam de forma oculta. Também é impossível saber quem são os investigados ou quem são os ministros que relatam os processos.
Em dezembro de 2014, o JOTA publicou os números de alguns inquéritos ocultos. Só foi possível saber esses números porque, ao digitá-los no sistema de busca do site do Supremo, nenhum processo aparecia.
O JOTA pediu, pela Lei de Acesso à Informação, dados sobre quem era investigado nesses processos. O pedido foi protocolado em dezembro de 2014. Em janeiro de 2015, vencido o prazo legal, o protocolo foi refeito.
Até hoje, em desrespeito à Lei de Acesso, o tribunal não respondeu ao pedido. Não informou, sequer, se poderia indicar os nomes ou uma justificativa sobre por que não poderia repassar as informações.
Em alguns casos, os dados sobre as investigações ocultas foram obtidos pela imprensa. Foi o caso, por exemplo, da existência de processo aberto para investigar o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves.
O inquérito instaurado contra o ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social, também permanece oculto. O mesmo vale para o processo aberto contra o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS).
Os três processos chegaram ao Supremo em meio às investigações da Operação Lava Jato.
Regulamentação
Processos que tramitam de forma oculta são de conhecimento apenas do relator no STF e da Procuradoria Geral da República. Nem os demais ministros do Supremo podem ter conhecimento da existência do processo, incluindo o presidente do Supremo. E, conforme resoluções internas e o regimento da Corte, cabe ao relator definir se o processo será aberto, sigiloso ou oculto.
Há três resoluções distintas e assinadas por três presidentes que disciplinam o tratamento de investigações sigilosas que tramitam no Supremo. Nenhuma delas tratou expressamente de processos ocultos.
Em abril de 2007, a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, assinou a Resolução 338, de 11 de abril de 2007, que estabeleceu:
Art. 2º São considerados sigilosos os documentos e processos em qualquer suporte:
I – cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar risco à segurança da sociedade e do Estado;
II – necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida provada, da honra e da imagem das pessoas.
(…)
Art. 4º O processo classificado como sigiloso será identificado na capa e no sistema informatizado com a expressão “sigiloso” ou “confidencial”.
(…)
Art. 9º Os documentos e processos sigilosos, após a determinação de arquivamento definitivo, deverão ser remetidos, de imediato, à Coordenadoria de Guarda e Conservação de Documentos, para serem arquivados em condições especiais e em local de acesso restrito.
Esta resolução ainda está em vigor.
Em 2011, o então presidente do STF, ministro Cezar Peluso, assinou a Resolução 458, de 22 de Março de 2011, que determinava: “nos casos em que o relator decretar segredo de justiça, as partes serão identificadas apenas pelas iniciais dos nomes e sobrenomes”. E quando os inquéritos fossem autuados, também vigoraria a regra: os nomes seriam omitidos e o investigado seria identificado apenas pelas iniciais, até determinação em contrario do relator. Ocorria, no entanto, que os relatores pareciam desconhecer a regra e não determinavam a transcrição completa do nome nos casos sem necessidade de sigilo. O tribunal passou a ter, por isso, dezenas de inquéritos apenas com as iniciais dos nomes de parlamentares.
Em abril de 2013, após a repercussão negativa da proteção aos nomes de parlamentares investigados no STF, o presidente Joaquim Barbosa assinou nova resolução – 501, de 17 de abril de 2013 – para determinar que, na autuação dos inquéritos e das ações penais, investigados e réus seriam identificados pelos nomes completos, salvo determinação posterior do relator.
O Supremo pode, nos próximo meses, rediscutir esta regulamentação. Mas uma proposta de mudança, mesmo que seja em prol de alguma transparência, sofrerá resistências, internas e externas.