Considerada estratégica, a região do Tapajós, localizada no Sudoeste do Pará, tem tido sua realidade transformada com a chegada de novos projetos voltados para o que é considerado crescimento econômico do país. A construção de portos, rodovias e hidrelétricas – como do Complexo Hidrelétrico do Tapajós – altera o cotidiano e o futuro dos moradores da região.
Além de ameaçar a biodiversidade e a vida de povos indígenas e comunidades tradicionais, esses empreendimentos impactam o cotidiano, o trabalho e a vida destas comunidades que, enquanto sofrem com alterações na paisagem e no modo de vida, tentam se organizar e resistindo a uma série de violações de direitos.
Crescimento do trabalho informal, condições análogas ao trabalho escravo e aumento de periferias nas cidades são alguns dos impactos sociais nas regiões que comportam megaprojetos. As moradores da região também sofrem com o aumento dos casos de exploração sexual, estupro, violência doméstica, mortalidade infantil e suicídio.
Militante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Gisely Sousa Moura conta algum dos impactos sofridos pelas comunidades. Ela aponta que em Altamira, município que fica a 50 quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira, é notório o aumento de casas destinadas à prostituição. Segundo a militante, os megaprojetos contribuem para o crescimento deste tipo de comércio, o que desencadeia uma série de outras formas de violência, especialmente contra as mulheres.
Segundo Gisely, com aumento de casas destinadas à prostituição – muitas delas agora próximas a escolas – houve aumento também nos casos de violência doméstica e no crescimento populacional da região. “Quando digo que mulheres são mais vulneráveis é por que somos nós que estamos no dia-a-dia com casa, filhos, maridos e na lida diária. E somos nós que sofremos com nossos corpos sendo violados e nossos direitos negados. Às vezes vamos atrás de informações e não temos, e é assim só por sermos mulheres”, conta.
Com o aumento do assédio sexual, as integrantes do Levante Popular da Juventude lançaram em Altamira a campanha “Assédio é crime” Denuncie”. A mobilização alerta para as situações enfrentadas pelas mulheres na cidade, que apontam também o aumento do medo após o início das obras de Belo Monte, com abordagens como o “fiu-fiu” e propostas de cunho sexual.
Como se o cenário já não fosse trágico, a militante do MAB também destaca destaca a escravidão sexual na região. Segundo ela, foi descoberto um local em Altamira onde foram encontradas mulheres forçadas a se prostituírem. Enganadas sob a falsa promessa de emprego, acabaram presas e obrigadas a servir sexualmente os homens da região, que em sua maioria são trabalhadores nas obras da Belo Monte. “Aqui ou em qualquer outro lugar em que estejam sendo construídas grandes obras, as mulheres são tratadas da mesma forma”, avalia.
A militante do MAB também lembrou do aumento dos casos de transtorno psiquiátrico entre os moradores da região. “Só o fato de não saber onde você vai morar com sua família já é um grande motivo para desencadear a depressão. As empresas não levam isso em conta”.
Para resistir a essa série de violações, o MAB tem trabalhado com uma técnica de bordado conhecida como arpillera, que incorpora elementos tridimensionais e retalhos de tecido, popularizada durante o período da ditadura militar chilena.
Não se pode transformar em rotina os dramas aos quais estão submetidas as comunidades atingidas por megaprojetos cotidianamente. As contradições das políticas públicas existentes nessas regiões são evidentes, a inércia do Estado por meio das decisões proferidas pelo poder judiciário aliadas à truculência da Polícia Militar e da Polícia Federal resultam num cenário catastrófico para milhares de atingidos.
Dado como única alternativa viável, o avanço de grandes projetos e a destruição ambiental torna-se cada vez mais visível em regiões que comportam grandes empreendimentos.
Esse processo de destruição, embasado pela visão preconceituosa e discriminatória em relação às comunidades indígenas e tradicionais e seus direitos e pela presença intensa de praticamente todas as formas de violência, denuncia a imensa dívida que o Estado e a sociedade brasileira possuem com esses povos historicamente violados e ainda tão distantes de terem assegurados seus direitos constitucionais e, principalmente, seu direito básico à vida e à existência com autonomia e dignidade, de acordo com suas concepções.
Direito e Desenvolvimento
Para abordar as diversas violações de direitos em grandes obras, as mulheres terão papel central de discussão no seminário Direito e Desenvolvimento, que vai ser realizado entre os dias 16, 17 e 18 de fevereiro, em Santarém.
Organizado pela Terra de Direitos em parceria com a Pro-Reitoria de Gestão Estudantil da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o seminário trará três dias de debates sobre a construção de portos e hidrelétricas à revelia das populações impactadas em benefício de megaprojetos, e os interesses que permeiam a escolha do Estado por esse modelo desenvolvimentista