E agora, EBC? Troca na direção joga luz na crise de autonomia

 

Por Mariana Martins*

Há oito anos, celebrávamos a entrada no ar da TV Brasil e o surgimento, no cenário midiático brasileiro, da EBC, uma empresa pública de comunicação criada com a função de liderar o fortalecimento do sistema público de comunicação no Brasil. Essa era uma pauta antiga dos movimentos sociais e de luta pela democratização da mídia.

Hoje, sem perder o foco na defesa da comunicação pública e da importância deste projeto para a democracia do País, os rumos da EBC tornaram-se motivo de preocupação.

Como já noticiado pela Carta Capital, na terça-feira 2 o diretor-presidente da EBC, Américo Martins, pediu demissão junto com o diretor-geral e a diretora de produção da empresa. Os anúncios blocados acendem uma luz vermelha. Apesar de alegar “questões pessoais” para entregar o cargo, a justificativa de Martins perde sentido quando acompanhada do pedido de demissão de outros dois diretores. Algo não se encaixa. Mas o quebra-cabeça não é difícil de montar.

Desde a última greve dos funcionários da EBC, em novembro passado, a interferência política direta do governo federal nos cargos, nas estruturas e também na programação e pautas da empresa vem sendo denunciada e exposta como feridas de um processo paulatinamente desfigurado.

Na manhã desta quinta-feira 4, no Rio de Janeiro, em cerimônia de lançamento dos canais digitais do Poder Executivo, em parceria com a EBC, o ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), responsável pela EBC, negou as suposições de ingerência política nos veículos da casa. Ele declarou que “mudanças de diretoria são normais” e que, enquanto estiver à frente da Secom, o projeto de fortalecimento da EBC permanece.

Difícil entender de que fortalecimento o ministro fala. Desde a chegada de Edinho Silva à Secom, a EBC passou a sofrer ainda mais com o “inchaço” de pessoas que chegam por uma porta giratória (e mágica, porque também tem o dom de aumentar salários) da Secretaria de Comunicação. Uma dessas pessoas, inclusive, deve ser o substituto de Martins, Mario Maurici.

Em agosto passado, durante seminário que debateu o modelo institucional da EBC, um dos recados mais claros dado pelo Conselho Curador da empresa e por diversas organizações da sociedade civil – entre elas o Intervozes e o FNDC – foi a urgência da desvinculação da EBC da Secom. O objetivo: garantir que os princípios que devem reger toda comunicação pública pudessem ser resguardados e que a confusão entre comunicação pública e governamental, cada vez mais evidente na programação dos canais da empresa (e já discutida diversas vezes neste blog), pudesse ser dirimida.

Aqui vale um parêntese para dizer que a comunicação do Poder Executivo, séria e baseada no interesse público, também é fundamental – tanto que está prevista em nossa Constituição. Mas ela tem canais oficiais e finalidades diferentes de uma comunicação pública. Não pode e não deve se confundir com essa.

Infelizmente, nenhuma das recomendações feitas ao longo do seminário foram atendidas pelo governo. De forma quase provocativa, as interferências cresceram. Em reunião do Conselho Curador realizada no final de 2015, a representante dos funcionários no Conselho, Akemi Nitahara, apresentou dados do Comitê Editorial da Empresa apontando para o favorecimento da presidenta Dilma nas matérias da Agência Brasil sobre o processo de impeachment. Nos corredores da empresa, os exemplos de interferência se multiplicam, deixando clara a ameaça a uma comunicação pública autônoma em relação ao governo federal.

Ampliar este debate e fazê-lo com seriedade não pode significar uma acusação, àqueles que sempre defenderam um projeto de comunicação pública para o Brasil, de jogar água no moinho da direita e de quem nunca compreendeu a importância de uma mídia independente do mercado e de governos no País. Esta é uma falsa dicotomia.

Da mesma forma que, para a consolidação da democracia, não podemos nos calar diante dos abusos de uma imprensa privada majoritariamente direcionada para sangrar o governo federal e as lideranças do Partido dos Trabalhadores, também não podemos aceitar propaganda de governo travestida de comunicação pública. Esta foi e segue sendo uma conquista muito cara da nossa sociedade para que sua descaracterização seja assistida de forma atônita e inerte, por medo de uma apropriação indevida de nossas críticas.

É preciso considerar que minar o projeto de comunicação pública idealizado por décadas no Brasil pode não ser um ação exclusiva da chamada “grande mídia” ou da oposição. O bloqueio à autonomia e a interferência política, neste sentido, dão munição de sobra àqueles que querem deslegitimar o esforço de construção de um sistema público de comunicação no País.

Para reverter este processo, a EBC precisará ir muito além do que foi nesses oito anos de vida. Precisará avançar para seguir se legitimando como uma comunicação diferente da que a mídia tradicional até hoje produziu. O desafio é gigante e não será rápido. Mas, diz o ditado, crises também podem gerar oportunidades. Com processos mais republicanos, mais participativos e democráticos, mais ousados e corajosos, é possível recolocar o projeto nos trilhos.

Está no DNA da comunicação pública não se calar mesmo em momentos em que falar se torna difícil. A história da mídia pública em diversos países nos mostra isso. Da mesma forma, então, a intransigência na defesa de seus princípios deve estar no horizonte daqueles que por ela zelam.

* Mariana Martins é jornalista, doutora em Comunicação pela UnB, integrante do Intervozes e trabalhadora da EBC.

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