O problema não é falta de riqueza, mas sua concentração

 

O Comitê de Oxford de Combate à Fome (Ofxam, na sigla em inglês) publicou neste mês de janeiro, um informe sobre a desigualdade no mundo (Uma economia a serviço de 1%). Os dados que tratam do assunto são impressionantes. O Informe mostra que a distância entre ricos e pobres vem aumentando no mundo e o 1% mais rico detêm mais riqueza que os 99% restantes.


Segundo os dados:

Em 2015, somente 62 pessoas tinham mais riqueza que 3,6 bilhões de pessoas, a metade mais pobre da humanidade. Em 2010 eram 388 pessoas que detinham tal riqueza;

a riqueza retida pelas 62 pessoas mais ricas do mundo cresceu 44% em cinco anos, em US$ 542 milhões desde 2010, chegando a 1,7 trilhão de dólares;

no outro extremo, a riqueza nas mãos de metade mais pobre da população se reduziu, no período em tela, em mais de um trilhão de dólares, queda de 41%;

desde o início deste século, a metade mais pobre da população mundial se apropriou de 1% do incremento da riqueza mundial total, enquanto que 50% dessa nova riqueza criada foi parar nos bolsos do 1% mais rico;

a renda média anual dos 10% mais pobres da população mundial, onde se concentram a fome e a exclusão social, aumentou menos de três dólares por ano em quase um quarto de século.

Como observa o documento da Oxfam a crescente desigualdade econômica afeta toda a sociedade, enfraquecendo o desenvolvimento e a coesão social. Mas é a população mais pobre que sofre as piores consequências da desigualdade. O sistema econômico foi estruturado para favorecer quem já dispõe de altos rendimentos, especialmente nestes tempo de financeirização da economia. Exemplo disto, são os chamados paraísos fiscais e toda uma indústria de gestores de grandes patrimônios, que tratam de garantir que essa renda fique ainda mais concentrada, enriquecendo ainda mais os seus detentores. Segundo o Oxfam, baseado em estimativa recente, os paraísos fiscais detêm no momento US$ 7,6 trilhões, correspondentes ao PIB do Reino Unido e da Alemanha, somados.

O estudo mostra que, enquanto os salários da maioria dos trabalhadores em todo o mundo estagnaram, os rendimentos dos altos executivos das empresas dispararam. O sistema econômico mundial é inteiro estruturado para defender os interesses dos poderosos. É o chamado “fundamentalismo de mercado”, que legitima a visão de que para haver crescimento econômico é necessário cobrar baixos impostos de empresas e ricos, o que, segundo essa visão, de algum modo acabaria por beneficiar toda a sociedade. Para esse tipo de perspectiva vale qualquer coisa para pagar menos impostos: elisão fiscal (neste mecanismo, diferentemente da evasão fiscal, através de subterfúgios evita-se o fato gerador do imposto, o que implica em pagar menos impostos de forma legal), evasão fiscal, sonegação fiscal, etc. Se os que estão no topo tiverem rendas elevadas, como registrado anteriormente, segundo essa concepção, como que por gravidade toda a pirâmide social se beneficiaria.

O Oxfam registra que os problemas de elisão e sonegação vêm se agravando rapidamente no mundo, e os impostos que não são arrecadados em decorrência destes mecanismos, se traduzem em cortes de serviços públicos essenciais nas áreas da saúde, educação, saneamento básico, etc. O Boletim da organização coloca como um problema também a dependência crescente dos governos no mundo de impostos indiretos, que afetam desproporcionalmente mais os setores mais pobres da população (é o caso do Brasil, onde o grosso da arrecadação de impostos se dá de forma indireta).

O estudo constata que o setor financeiro é o que mais tem crescido e o que mais tem gerado milionários no mundo, nos últimos anos. O Brasil, um campeão da desigualdade (apesar das melhorias na última década) poderia servir de ilustração para as mazelas de vários setores relatadas no Boletim. Todavia, no que se refere às desigualdades, talvez nenhum exemplo seja tão adequado quanto a caracterização do setor financeiro no País, principal beneficiário da dívida pública. No Brasil, enquanto não se resolver o problema da dívida pública, que transfere recursos fundamentais da sociedade para um grupo restrito de privilegiados, não obteremos verdadeiros avanços na distribuição de renda. Ao invés de se financiar serviços públicos essenciais como o de saúde ou educação, ou investir no combate à pobreza, bilhões de reais são destinados a pagar os serviços da dívida, servindo uma minoria parasitária, que não produz nada de útil para a sociedade. Em 2015 os gastos com a dívida pública alcançaram cerca de R$ 500 bilhões, valor próximo a 9% do PIB. Isso equivale a mais de 17 vezes o que se investe no Bolsa Família, Programa que tira 50 milhões de brasileira da fome.

José Álvaro de Lima Cardoso é economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina/Brasil.

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