Em meio a cortes, pagamento de auxílio moradia para magistrados e procuradores é aprovado

 

Por meio de medida provisória de Dilma, órgãos “cedem” recursos de despesas administrativas para pagar vantagem a autoridades

Foi autorizada pelo governo federal a abertura de crédito extraordinário no orçamento, que vai cobrir o pagamento de auxílio-moradia a magistrados e procuradores. A medida (MP 711, de 18 de janeiro de 2016) editada pela presidente Dilma Rousseff foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 19.

Dos mais de R$ 419 milhões, R$ 301.215.747,00 são referentes ao Judiciário federal. Já ao Ministério Público da União foram destinados R$ 107.047.467,00. O valor remanescente é destinado ao Legislativo (pouco mais de R$ 11 milhões) e à Defensoria Pública da União (R$ 100 mil).

O crédito ocorre em meio a cortes e anúncio de medidas de contenção de despesas nos tribunais e MPU em todo o pais, que vão desde a redução de gastos com energia e material de trabalho, alteração de horários de funcionamento, até restrições e ameaças a benefícios básicos pagos aos servidores, como auxilio medico. No ano passado, houve contingenciamento do orçamento corrente, e para 2016 foram realizados cortes significativos nas verbas de custeio e investimento dos órgãos.


Também foram integralmente cortados os recursos previstos para a criação e provimento de cargos, apesar da necessidade e demanda por mais servidores em vários órgãos, como ocorreu no TRT da 6ª Região (Pernambuco), onde no ultimo dia 22 de janeiro a presidente suspendeu a nomeação de novos servidores, sob alegação de corte orçamentário. Da forma como aprovado o orçamento, até a implementação de leis já em vigor ficou prejudicada, como é o caso da isonomia devida aos chefes de cartórios eleitorais, aprovada o ano passado.

Além disso, ainda persiste o impasse em relação à reposição salarial dos servidores, que vão completar 10 anos sem reposição plena da inflação, enquanto a magistratura e procuradores tiveram assegurados reposição inflacionária e outras parcelas, que somadas, podem assegurar ganhos de até 81%, nos últimos dois anos. Como ainda não houve desfecho da campanha salarial dos servidores até o final de 2015, a pressão por negociação para melhoria e aprovação do projeto 2648/2015 deve continuar.

O auxílio-moradia vem sendo pago indistintamente aos juízes desde setembro de 2014, por força de uma controvertida liminar do ministro do STF, Luiz Fux. Apesar do caráter provisório, até hoje o ministro Ricardo Lewandowski, presidente da corte, não levou a decisão para julgamento definitivo pelo plenário. Após a liminar, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) regulamentaram administrativamente o pagamento. Não há informação transparente e precisa quanto à fonte dos recursos para o pagamento do “benefício”, uma vez que nos anos anteriores também não havia previsão orçamentária específica para ele.

Além do auxílio-moradia, que vários juízes e procuradores reconheceram como uma forma de complementação salarial (mal) disfarçada, magistratura e membros do MP foram contemplados no final de 2014 por reajuste salarial que excluiu os servidores, e pela instituição de uma gratificação de acúmulo de função, que elevaria em um terço as remunerações, cumulativamente com os subsídios, em algumas situações.

 

Acordo de cúpula

O crédito extraordinário ocorre dias após a Advocacia-Geral da União (AGU), haver solicitado por escrito, em nome do governo, ao CNJ e CNMP, que fossem observados os critérios previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 para a concessão do auxílio-moradia a magistrados e procuradores (leia matéria relacionada). A LDO foi aprovada com um conjunto de restrições à vantagem, que limitariam expressivamente as possibilidades de concessão.

Entidades associativas da magistratura reagiram publicamente à restrição e falaram em propor medidas judiciais. Segundo elas, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) vedaria o benefício apenas se houver imóvel funcional à disposição do magistrado.

De acordo com o conteúdo da medida provisória, os valores para o auxílio-moradia foram liberados mediante cancelamento de programas nos orçamentos (já reduzidos) de cada um dos órgãos, nos mesmos valores. Ou seja, aparentemente, não teria havido créditos novos, adicionais, mas remanejamentos internos de verbas antes destinadas às despesas administrativas das próprias unidades.

A aparente “mudança” de posição do governo e o remanejamento de recursos de despesas administrativas dentro dos órgãos apontam para uma provável negociação e acordo entre as cúpulas dos Poderes e administrações, notadamente do Judiciário e do MPU, para garantir o auxílio-moradia de seus membros, por meio da inusitada medida legislativa.

A Constituição prevê que a abertura de crédito extraordinário, por medida provisória, “somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”.

Enquanto reconhecem os cortes e anunciam sucessivas medidas de contenção de custos, alcançando até despesas e benefícios básicos, governo e administrações fazem uma escolha entre os que devem ser sacrificados e os que devem ser preservados, e revelam abertamente suas prioridades, mesmo por meios questionáveis.

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