Erundina e a luta no Parlamento pela democratização comunicação

 

Nem tudo é retrocesso no atual Parlamento brasileiro. Existente há quatro anos na luta pela democratização da comunicação, foi reinstalada recentemente, na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom). O objetivo é pautar a sociedade civil, os legisladores e os governos para avançarem na ampliação do acesso aos meios pela população, por meio de políticas públicas, além da luta pela garantia de diversidade nas vozes que transmitem informação no Brasil.

Para explicar como a Frentecom atua nesse âmbito, a Adital entrevistou a deputada federal Luiza Erundina [Partido Socialista Brasileiro – PSB – São Paulo], membro da coordenação da iniciativa. Para ela, é preciso que se altere radicalmente o marco legal do sistema de comunicação brasileiro, existente há cerca de 50 anos, e que está obsoleto para a realidade brasileira atual; favorecendo a concentração dos meios de comunicação nas mãos de monopólios e oligopólios, e agravado pela propriedade cruzada dos meios de comunicação de massa.

 

A deputada aponta que outra questão a ser enfrentada pelo Parlamento diz respeito às regras de outorga e renovação de concessões, atualmente, sem nenhum controle por parte da sociedade, no sentido de garantir a qualidade da programação e uma distribuição mais justa dos meios de comunicação. “As frequências eletromagnéticas são um patrimônio público, apropriado indevidamente por meia dúzia de apaniguados do setor privado, que os exploram ilegalmente, promovendo proselitismo religioso e político”, indica a parlamentar.

Erundina sabe que um dos principais entraves para o avanço da questão se refere à própria composição do Poder Legislativo no país, cada vez mais conservador. “O atual momento político é, sem dúvida, o pior possível para a preservação e o avanço das conquistas em todos os setores, em especial para as demandas referentes à democratização das comunicações. Prova disto é a composição da CCTCI [Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática] na presente legislatura, hegemonizada pelos fundamentalistas religiosos, detentores de concessões de meios de comunicação”, destaca.

Ainda assim, a deputada acredita que é possível dar passos à frente na construção de uma comunicação que garanta a diversidade de grupos e interesses no país. “Temos que ter paciência histórica, como dizia o mestre Paulo Freire. Estamos numa fase de mera resistência e pouca capacidade de iniciativa política, mas não devemos desanimar. O desânimo é conservador e nos imobiliza, enquanto a esperança é revolucionária, como energia contagiante e mobilizadora”, afirma Erundina.

ADITAL – A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular foi relançada recentemente na Câmara dos Deputados. Como deve ser esse trabalho de interlocução com o Parlamento brasileiro?

Luiza Erundina – A Frentecom já funciona há mais de quatro anos. É uma importante conquista das organizações da sociedade civil, que lutam em defesa do direito à comunicação como um direito humano fundamental. É fruto da I Conferência Nacional de Comunicação Social (Confecom). Reinstalada recentemente, está retomando o trabalho que vinha realizando durante esses anos e constitui um importante espaço democrático de interlocução entre o Parlamento, o governo e a sociedade civil, em torno da política de comunicação social do país.

ADITAL – Como se deu a construção da FrenteCom no que diz respeito ao diálogo com as entidades da sociedade civil?

LE – A Frentecom tem como peculiaridade sua constituição, que envolve deputados (as) e dezenas de entidades da sociedade civil. É dirigida por um colegiado formado, paritariamente, por parlamentares de diferentes partidos políticos e representantes dessas entidades. Desenvolve uma agenda que compreende os temas abrangidos pela política nacional de comunicação do governo federal e as matérias que tramitam na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, acompanhando sistematicamente o funcionamento dessa Comissão; interferindo, inclusive, nas discussões dos temas que compõem suas pautas. Além disso, promove e participa de iniciativas como audiências públicas, fóruns, seminários e debates sobre comunicação, tanto no âmbito interno do Congresso Nacional como na sociedade.

 

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Concessões de rádios, TVs e outros meios de comunicação no Brasil estão concentrados em monopólios e oligopólios. Foto: Reprodução.

 

ADITAL – Quais as principais questões, hoje, relativas ao direito à comunicação no país?

LE – A principal questão que, num certo sentido, engloba as demais diz respeito à democratização do acesso de todos (as) os (as) cidadãos (ãs) aos meios de comunicação social, com vistas a garantir a liberdade de expressão como um direito humano fundamental. Conforme consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU [Organização das Nações Unidas] e na Constituição Brasileira de 1988.

Na prática, é necessário que se altere radicalmente o marco legal do sistema de comunicação brasileiro, que está obsoleto, pois vige há mais de meio século, favorecendo a extraordinária concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos. Ou seja, monopólios e oligopólios, agravada pela propriedade cruzada dos meios de comunicação de massa. O que significa que uma mesma pessoa ou grupo é detentor da concessão de diferentes meios de comunicação, como TV, rádio, Internet e outros.

Uma outra questão que precisa ser enfrentada pelo Parlamento diz respeito às regras de outorga e renovação de concessões, atualmente, sem nenhum controle por parte da sociedade. No sentido de garantir qualidade da programação e uma distribuição mais justa dos meios de comunicação, visto que as frequências eletromagnéticas são um patrimônio público apropriado indevidamente por meia dúzia de apaniguados do setor privado, que os exploram ilegalmente, promovendo proselitismo religioso e político.

Ademais, os prazos de concessão são excessivamente longos, sendo a concessão de um canal de TV por um período de 15 anos e a de um canal de rádio 10 anos, com o agravante de que, terminado o prazo, sucessivas renovações se fazem indefinidamente e são quase automáticas. Acrescentaria ainda o fato de que os concessionários arrendam espaços da sua grade de programação a terceiros, sem qualquer autorização do órgão concedente, o que é ilegal.

ADITAL – Quais os principais obstáculos para que esse direito seja obstruído à população brasileira, em sua diversidade de meios e expressões?

LE – Os obstáculos a se respeitar o direito da população brasileira à informação e à comunicação em sua diversidade de meios e expressões são diversos. A começar pelo desconhecimento, por parte dos cidadãos, desse direito, e pela dominação e pressão dos concessionários dos meios de comunicação sobre os governos, alegando, falaciosamente, tratar-se de censura ou ameaça à liberdade de expressão. Acrescente-se a isto a tibieza e omissão dos sucessivos governos em estabelecerem limites aos abusos dos “donos” da mídia, que, habitualmente, descumprem as determinações legais no que diz respeito aos direitos da população.

ADITAL – Que ações iniciais a FrenteCom pretende realizar em torno da superação da concentração dos meios de comunicação? Nesse sentido, em torno de quais principais propostas poderia ser dar uma regulamentação da mídia no Brasil?

LE – A Frentecom defende um novo marco regulatório para o sistema de comunicação no Brasil, com vistas a corrigir a enorme concentração dos meios de comunicação social. Nesse sentido, participa da coleta de assinaturas de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) está patrocinando, elaborado com base nas propostas aprovadas pela I Confecom, que elimina todos os aspectos da atual legislação, impeditivos da democratização dos meios de comunicação e da garantia do direito à liberdade de expressão.

 

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“Donos da mídia” habitualmente descumprem determinações legais acerca dos direitos a população. Foto: Reprodução.

 

ADITAL – Como ampliar a inclusão dos meios contra-hegemônicos de comunicação nas políticas públicas de Estado, incluindo a destinação de recursos públicos?

LE – Só quando o governo brasileiro entender que a democratização dos meios de comunicação é a principal reforma estrutural a ser feita. Como condição para que as demais reformas estruturais ocorram, pois, só então, haverá força política necessária para promovê-las. Atualmente, o nosso sistema de rádio difusão comunitária tem apenas cerca de 5 mil canais autorizados, enquanto mais de 20 mil funcionam irregularmente. Outro grave problema que enfrentam é, certamente, a falta de financiamento e, até agora, o governo não demonstrou interesse em resolvê-lo.

ADITAL – O Estado brasileiro passa por um momento em que o perfil conservador está bastante concentrado, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Como avaliar esse ambiente político para as demandas da democratização da comunicação?

LE – O atual momento político é, sem dúvida, o pior possível para a preservação e o avanço das conquistas, em todos os setores, em especial para as demandas referentes à democratização das comunicações. Prova disso é a composição da CCTCI na presente legislatura, hegemonizada pelos fundamentalistas religiosos, detentores de concessões de meios de comunicação.

ADITAL – Como avalia o potencial de discussão em torno desse espectro com o governo federal, a Câmara dos Deputados e o Senado?

LE – Quanto ao governo federal, à Câmara dos Deputados e ao Senado, não há qualquer abertura para o diálogo sobre esse tema. Ou se impõe pela mobilização e pressão da sociedade, ou nada mudará. Nunca houve abertura, muito menos neste momento, em que as instituições políticas estão acuadas e sem iniciativa.

ADITAL – Como resistir a essa política conservadora, que vem retrocedendo nos direitos dos cidadãos, ao longo deste ano?

LE – Temos que ter paciência histórica, como dizia o mestre Paulo Freire. Estamos numa fase de mera resistência e pouca capacidade de iniciativa política, mas não devemos desanimar. O desânimo é conservador e nos imobiliza, enquanto a esperança é revolucionária, como energia contagiante e mobilizadora. Como nos recomenda, por sua vez, o Papa Francisco: “Não deveis perder nunca a esperança. Serdes promotores da esperança”.

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