“A busca por uma sociedade mais justa e uma política fundamentada na ética é fidelidade ao Evangelho”
Esta expressão do secretário-geral da CNBB se deu no contexto das discussões sobre a Reforma Política e especificamente, sobre as decisões apresentadas no relatório final do deputado Marcelo Castro sobre o tema, na última quarta, 13 de maio, na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Por Rosinha Martins|14.05.2015| O relatório final sobre a Reforma Política apresentado na Câmara dos Deputados na última quarta, 13, pelo deputado relator da Comissão Especial que trata do tema na Casa, Marcelo Castro, significou uma decepção, um balde de água fria para os movimentos e entidades que fazem parte da Coalizão por uma verdadeira Reforma Política Democrática e eleições limpas.
A proposta da coalizão visa colocar fim à corrupção que tem como uma das causas mais relevantes o financiamento de campanhas por empresas. Defende, ainda, eleições proporcionais em dois turnos, paridade de gênero na lista pré-ordenada, fortalecimento dos mecanismos da democracia direta com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes.
Em entrevista exclusiva à assessoria de comunicação da CRB Nacional – Conferência dos Religiosos do Brasil, o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, ofm, falou sobre o resultado do relatório e justificou a participação da Igreja nas questões sociais e políticas.
De acordo com o bispo auxiliar de Brasília, o relatório final significou uma decepção e, ao mesmo tempo, uma provocação para que a Igreja e a sociedade continuem a caminhar a passos firmes na busca por uma sociedade mais justa e uma política nacional sem corrupção, fundamentada na ética. Ao mesmo tempo, instiga a Igreja no Brasil à fidelidade ao Evangelho, o que quer dizer, ser presente, atuante na busca por uma sociedade transparente e justa.
Leia a íntegra da entrevista
Qual o parecer do senhor sobre o Relatório Final da Reforma Política, apresentado pelo deputado Marcelo Castro?
Dom Leonardo – O relatório não contemplou as propostas da Coalizão. Nesse sentido, foi uma frustração, mesmo uma decepção. Decepção, porque o diálogo estabelecido com diversos seguimentos da sociedade e com o próprio relator, deputado Marcelo Castro, convergia para uma proposta digna. Continuar com a doação das empresas nas campanhas é dar continuidade à corrupção nas campanhas políticas e no exercício do mandato político. Ao menos nesse ponto, havia a esperança de que o relator fosse coerente com o pensamento dele próprio.
Então, fica uma preocupação: não se sabe escutar a sociedade. Se o Congresso Nacional não sabe escutar a sociedade, isso é grave. Não tem razão de ser um Congresso cujos membros e partidos pensam apenas em si mesmos. Agora, cabe à sociedade brasileira, a todas as pessoas que realmente desejam uma Reforma Política condizente, continuar a se manifestar, continuar com a coleta de assinaturas. Esta proposta que está sendo apresentada pelo relator não é digna do Brasil.
Uma resposta negativa da Câmara e do Senado sobre a Reforma Política proposta pela OAB e CNBB atinge a missão da Igreja?
Dom Leonardo – Não atinge, porque a missão da Igreja é anunciar Jesus, seu Evangelho, sua vida, a vida do Pai, a vida da Trindade. Essa é a primeira missão da Igreja. Naturalmente, essa missão de anunciar tem como consequência uma Igreja situada, presente, servidora. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB como Igreja, deseja servir. É por isso que a CNBB participa ativamente com propostas para a Reforma Política. Não dogmatizamos a proposta da Coalizão, mas a apoiamos, porque achamos que é uma proposta coerente. Ela continuará com a reflexão e o debate em torno da Reforma Política. O debate continua sendo importante. Infelizmente, a grande mídia não se interessou pelo tema. Devemos dar continuidade; mesmo que as propostas da coalizão fossem aprovadas, existem muitos outros pontos que exigem mudança para que haja uma Reforma Política e não uma mera reforma eleitoral.
De que forma o resultado deste relatório influi na luta da Igreja pela Reforma Política?
Dom Leonardo – Esse resultado nos provoca, nos convoca. Provoca a CNBB, os cristãos a continuarem a dialogar e a propor. Não devemos nos acomodar pela decepção, pois temos convicções, queremos o melhor para o Brasil, para a Política; queremos uma governabilidade e, por isso, daremos continuidade à reflexão e ao debate.
O senhor considera um retrocesso na história política o resultado desse relatório?
Dom Leonardo – Pode ser um retrocesso no sentido de continuarmos com a possibilidade de corrupção, o que está comprovado pelos fatos. Não entendo como os deputados não acordam! A toda hora nos meios de comunicação aparecem denúncias que têm a ver com as doações das empresas. Isso que é evidente, claro. Todos os dias, aparecem novas denúncias. É lamentável que o relatório não leve isso em consideração. Permanecemos com os mesmos problemas.
A que se devem as vozes dissonantes dentro da Igreja em relação a este projeto e ao envolvimento da Igreja nas questões político-sociais?
Dom Leonardo – As vozes dissonantes são normais. Não devemos estranhar. Em primeiro lugar, fazem parte da democracia e da vida da Igreja. Existe uma compreensão de vida do evangelho, uma compreensão de testemunho, de inserção da Igreja na sociedade. É visível que alguns cristãos não gostariam e não gostam de ver a Igreja envolvida nas discussões dos problemas sociais e políticos. Os ensinamentos da Igreja, do magistério nos ajudam a compreender o serviço da Igreja na sociedade. Ela não apoia partidos políticos. Ela discute e propõe caminhos. Temos a oportunidade de participar, dar opiniões, sugerir, porque, vivemos na sociedade, como cristãos. Essa participação dos cristãos é muito importante. O evangelho nos propõe modos de vida, relações novas; o evangelho nos propõe a dignidade de filhos e filhas de Deus. Quando nós, como cristãos, participamos do debate e participamos também das propostas para uma Reforma Política, queremos levar os valores do Evangelho, e isso, às vezes, não é suficientemente compreendido; acham que queremos apoiar um partido político.
O ponto mais difícil é que há meios de comunicação, redes sociais levando erroneamente certo público a achar que a Coalizão está apoiando a Reforma Política de um determinado partido. Afirmam erroneamente que a CNBB e OAB assumiram a proposta de um partido. Se formos comparar as propostas de reforma apresentadas pelos partidos com as da Coalizão, verificaremos uma diferença enorme. A maioria delas quer a continuidade da participação das empresas nas campanhas. Dificilmente algumas delas falam da participação maior das mulheres ou propõe uma participação maior da sociedade e a regulamentação dessa participação nos processos do Congresso Nacional. Então, existem diferenças de compreensão, mas creio que a diferença no fundo é receio de que, participando, não sejamos fiéis ao Evangelho.
De que maneira a Igreja, neste caso, a Igreja se torna fiel ao Evangelho?
Dom Leonardo – Nós somos fiéis ao Evangelho na medida em que ajudamos a construir uma sociedade justa, fraterna. Devolver a grandeza do fazer política faz parte da vida do Evangelho. Existe corrupção no meio político, mas existem políticos que vivem a sua fé e são profundamente éticos. A palavra da Igreja deve animar esses políticos católicos, os cristãos que estão no Congresso. À luz da Palavra de Deus sejam homens e mulheres que vivem para servir. Incentivar os políticos que visam o bem comum. Apoiá-los para que realmente ajudem a construir uma sociedade melhor e não estar a serviço dos interesses de grupos econômicos e pessoais. Incentivar as pessoas que servem na política a serem sinal de mudança, de esperança.
Quais são as expectativas do senhor em relação a esta aprovação que acontecerá na quinta, 15, uma vez que os deputados pediram vista?
Dom Leonardo – Depende. Vamos ver como se movimentam os deputados, as deputadas. Temos pessoas na Câmara que são muito coerentes, que percebem a necessidade de uma mudança na política, nas eleições. Elas estão profundamente engajadas, independentemente de partidos. Entenderam a proposta da Coalizão. Nunca deixar de esperar. A esperança move o cristão. A vida nova do Ressuscitado faz com caminhemos também nas contrariedades.