Para marcar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado no dia 3 de maio , a ARTIGO 19 publica o relatório “Violações à Liberdade de Expressão – Relatório Anual 2014”, resultado de um processo de monitoramento e apuração das violações ocorridas no Brasil contra a liberdade de expressão durante o ano passado.
O relatório contabiliza e analisa os casos de graves violações – homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte, sequestro* e tortura – ocorridos contra dois grupos específicos de pessoas: 1) comunicadores (jornalistas, radialistas, blogueiros, entre outros) e 2) defensores de direitos humanos (lideranças rurais, quilombolas, sindicalistas, integrantes de associações, entre outros).
Em todos os casos, as pessoas foram vítimas de violação em função de atividades ligadas à liberdade de expressão – como a publicação de uma matéria, a mobilização de uma comunidade ou a organização de uma manifestação.
No total, foram registrados 55 casos de violação à liberdade de expressão em 2014, um aumento de 15% em relação a 2013, quando foram registrados 45 casos.
Dos 55 casos, 15 foram homicídios, 11 foram tentativas de assassinatos, 28 foram ameaças de morte e 1 deles, tortura.
O trabalho traz outros dados relacionados às violações, como as regiões e estados onde ocorreram, o tamanho das cidades (grandes, médias ou pequenas), os principais motivos e os supostos autores.
Há ainda capítulos temáticos que analisam as violações à liberdade de expressão sob cinco perspectivas: envolvimento de forças de segurança, cobertura política, luta pela terra, questão de gênero e impunidade.
“Um material que agregue os dados relacionados às violações é importante para mostrar que esses crimes não ocorrem de maneira isolada, mas que sim representam violações sistemáticas com a intenção de impedir a discussão sobre alguns temas na nossa sociedade”, afirma Júlia Lima, oficial da ARTIGO 19 para o programa de Proteção da Liberdade de Expressão.
“Ao analisarmos os aspectos comuns entre essas ocorrências, como os perfis dos supostos autores envolvidos, podemos abordar a questão de maneira mais ampla e cobrar do Estado não só a resolução dos casos incluídos no relatório, mas também a elaboração de políticas públicas preventivas”, acrescenta.
Um dos comunicadores que foi vítima de violação à liberdade de expressão é o jornalista e radialista Márcio Lúcio Seraguci, que dirige o jornal Tribuna Livre e há 25 anos apresenta um programa de rádio na cidade de Parnaíba, no Mato Grosso do Sul. Reconhecido por fazer denúncias envolvendo autoridades locais, no dia 11 de janeiro de 2004, Seraguci foi agredido por três homens, que o chamaram pelo nome, e ainda disseram estar ali “somente para matá-lo”.
O advogado Felipe Coelho também foi uma vítima de violação à liberdade de expressão e se enquadra na categoria “defensores de direitos humanos. Em fevereiro de 2014, Coelho sofreu ameaças de morte em função da assistência jurídica que prestava a pessoas detidas durante manifestações no Rio de Janeiro, por meio do seu trabalho no Instituto de Defesa de Direitos Humanos.
“É claro que o objetivo por trás da ameaça nem sempre é cumprir o que foi dito, mas sim tentar frear o trabalho ou calar a voz dos que advogam em favor dos direitos humanos. Apesar de tudo, quando um defensor de direitos humanos recebe uma ameaça ele pode ter a certeza que está no caminho certo”, afirma Coelho.
Comunicadores
No grupo “comunicadores”, foram registrados 21 casos de violação à liberdade de expressão, uma pequena diminuição em relação ao número de casos ocorridos em 2013, que apresentou 29 casos.
De todos os 21 casos registrados em 2014, 3 foram homicídios, 4 foram tentativas de assassinato e 14 foram ameaças de morte.
Em uma divisão por região, o Sudeste se destaca como a que mais registrou violações contra comunicadores em 2014: foram 7 ao todo. A região é seguida pelo Nordeste, com 5 casos, Norte e Sul, com 3 casos cada, Centro-Oeste, com 2 casos. Houve ainda uma violação contabilizada no exterior.
Já na divisão por estados, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná apresentam 3 casos de violação cada um. Na divisão por tamanho de cidade, 12 casos de violação à liberdade de expressão foram registrados em cidades pequenas (de até 100 mil habitantes), 8, em cidades grandes (com mais de 500 mil habitantes) e 1 caso registrado em cidade média (de 100 mil a 500 mil habitantes).
Já quanto aos motivos que estariam por trás das violações, 9 deles seriam em razão de alguma denúncia feita; 7 deles, por conta de uma investigação (como apuração de informações para reportagem); e 5, em função de manifestação de críticas e opiniões. Sobre os autores, as suspeitas é que em ao menos 16 casos as violações foram praticadas por agentes do Estado (políticos, policiais, funcionários públicos).
Defensores de Direitos Humanos
No grupo “Defensores de Direitos Humanos”, foram registrados 34 casos de violação à liberdade de expressão, um aumento expressivo em relação ao ano anterior, quando foram registrados 16 casos.
Desses 34 casos, foram 12 homicídios, 7 tentativas de assassinato, 14 ameaças de morte e 1 caso de tortura.
Na divisão por região, o Sudeste também lidera, tendo registrado 10 de violações à liberdade de expressão em 2014. Na sequência, vêm o Norte, com 9 casos, o Nordeste, com 8 casos, o Centro-Oeste, com 6 e a região Sul, que teve um (01) único caso de violação registrado.
Já na divisão por estados, as estatísticas são diferentes em relação ao grupo “Comunicadores”. Pará, com 8 casos, e Rio de Janeiro, com 6, lideram a lista.
Na divisão por tamanho de cidade, 20 casos de violação à liberdade de expressão foram registrados em cidades pequenas (de até 100 mil habitantes), 8, em cidades grandes (com mais de 500 mil habitantes) e 6 casos registrados em cidade média (de 100 mil a 500 mil habitantes).
Com relação aos motivos que estariam por trás das violações, 16 deles seriam em razão de alguma mobilização promovida (como protestos e passeatas); 10 seriam por denúncias feitas; 5 por expressão de crítica e opinião; e 3 por ações ligadas a práticas que defendem o direito à liberdade de expressão, como o caso do advogado Felipe Coelho.
Sobre os autores, as suspeitas é que em ao menos 17 casos as violações foram praticadas por fazendeiros/grileiros, 4 por empresários, 3 por políticos e 2 por policiais.
Metodologia
Para a produção do relatório, a ARTIGO 19 cumpriu três etapas:
1) Monitoramento
Mapeamento dos casos de violações e coleta das informações iniciais sobre cada ocorrência a partir de matérias jornalísticas publicadas por diversos perfis de veículos de comunicação, organizações sociais, redes de correspondentes e pelas próprias vítimas ou testemunhas dos casos.
2) Registro Completo
Detalhamento das informações mapeadas no monitoramento através da apuração de cada caso por meio de entrevistas com as vítimas, conhecidos e familiares das vítimas, membros de organizações da sociedade civil que trabalham com o tema e autoridades responsáveis pelos casos.
3) Acompanhamento
Documentação e análise jurídica de alguns casos para avaliação de possível ação judicial ou encaminhamento para organizações parceiras.
*não foi registrado nenhum caso de sequestro em 2014