Reforma Política e comunicação no Brasil

 

Artigo escrito por José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e por Michelle Prazeres, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, trata da conexão entre os temas reforma política e comunicação. Confira!

Ao falarmos de reforma política – tema que definitivamente entrou na agenda do país quando o Congresso decidiu que ela seria votada em regime de urgência – e comunicação no Brasil, as possibilidades de conexão entre os temas são muitas e dizem respeito a basicamente dois pontos de vista: o dos conteúdos e o das políticas.

Quando o assunto é conteúdo, a relação se dá na abordagem da grande imprensa comercial e conservadora sobre o tema: a ênfase – quando não a redução exclusiva do debate – numa reforma da legislação eleitoral e dos partidos. Não é por acaso que a reforma político-eleitoral que está tramitando no Congresso é limitada ao debate da democracia em sua vertente representativa, deixando de lado questões reivindicadas por organizações da sociedade civil que vem construindo um movimento de discussão sobre a reforma política necessária para o país.

O projeto que estava em votação é restrito ao aspecto político-eleitoral e contempla apenas quatro pontos: fidelidade partidária, lista fechada, financiamento público de campanha e fim das coligações para eleições proporcionais. Com a votação, na semana passada, do item da lista fechada e a rejeição das listas preordenadas, sequer é possível chamar o processo em curso de reforma política (veja a nota pública da Mobilização por uma Reforma Política Ampla, Democrática e Participativa clicando aqui).


No Congresso e na mídia, desde que o tema começou a ser pautado, ficaram de fora a democracia direta e participativa e os debates sobre a democratização das comunicações e a transparência do judiciário.
De alguma forma, podemos concluir que o sistema, minimamente alterado, seguirá servindo aos interesses dos grandes grupos e corporações de comunicação no Brasil. Não é à toa que os meios de comunicação não fazem questão de ampliar o debate e de ouvir as vozes da sociedade civil, que sustentam que esta reforma mínima não nos interessa e é insuficiente. Mais do que a possibilidade de a reforma não dar conta de reivindicações históricas, corre-se o risco de criar ainda mais barreiras para uma real reforma que acabe com o patriarcado, o patrimonialismo, as oligarquias, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção em nosso país.


Entendemos que a construção de uma sociedade democrática está inserida em um contexto mais amplo, que diz respeito a mudanças no sistema político, na cultura política e no próprio Estado. Por isso, uma reforma política que amplie a democracia e fortaleça a participação popular em nosso país deve necessariamente abranger a democracia também em suas vertentes participativa e direta, além da democratização das comunicações e a transparência do Judiciário.
Esses quatro eixos somados ao da democracia representativa estão reunidos na plataforma construída por organizações, redes, fóruns e movimentos da sociedade civil reunidos na mobilização por uma reforma política ampla, democrática e participativa.


O quarto eixo da plataforma versa pelo segundo enfoque possível do debate sobre comunicação e reforma: o das políticas. Não há como pensar em democracia hoje no país sem pensar na constituição de um sistema de comunicações, setor hoje completamente desguarnecido de políticas e regulamentação.


É preciso que discutamos um marco institucional para a comunicação, com a realização de uma conferência nacional do setor nos moldes das demais (ampla, democrática e participativa) e a constituição de um sistema público de comunicações para o Brasil com controle social sobre as políticas.


Desde as eleições do ano passado, a população como um todo vem se dando conta da força da mídia e sua influência na agenda política do país. É pena que esta influência se de por meio de uma ofensiva impiedosa em relação a alguns avanços e lutas históricas dos movimentos sociais, como a classificação indicativa, por exemplo. Isso sem falar nas capas de revista contra as cotas raciais, nas matérias nas televisões contra as comunidades quilombolas, nas reportagens criminalizando as rádios comunitárias, entre outras violações que assistimos, lemos e ouvimos cotidianamente.


Reforçando a sensação causada por este processo que vem desde as eleições, o debate sobre a constituição de uma TV Pública para o Brasil colocou na agenda pública as políticas de comunicação e também suscitou uma série de manifestações. Outro tema que deveria ocupar os noticiários em breve é o das concessões. Este ano, serão renovadas diversas outorgas de televisões e seria o momento de a população saber que elas são concessões públicas, passíveis de não renovação, o que provavelmente não vai acontecer, por falta de regras.


É neste ponto que os debates sobre política e conteúdo de comunicação se cruzam: as vozes que lutam pela implementação de políticas para o setor, pela democratização da comunicação, para que regulem a concessão e uso dos meios no Brasil, para que haja controle público dos meios, são excluídas do debate público quando não dispõem de espaço para expor seus pontos de vista no ambiente tendencioso realizado pela mídia, que deixa de cumprir seu papel de zelar pelo interesse público e de promover o debate plural.
A reforma política se configura em uma oportunidade de mostrarmos que uma real reforma do sistema não poderia ser feita sem a democratização dos meios de comunicação, pois não existe sociedade democrática sem uma comunicação igualmente democrática. Carecendo de um debate sobre o sistema de comunicações, qualquer reforma será insuficiente.


*José Antônio Moroni é filósofo, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), diretor da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e secretário nacional do FNPP.
* Michelle Prazeres é jornalista, mestre em comunicação e semiótica, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, editora do Observatório do Direito à Comunicação e integrante do Fórum Nacional de Participação Popular – FNPP.

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