Para Barroso, ministro do STF, país precisa ‘desesperadamente’ da reforma política

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse hoje (8) na Faculdade de Direito do Largo São Francisco que o Brasil precisa da reforma política para reequilibrar a relação entre os poderes. Para ele, o Judiciário hoje atende a demandas que o Legislativo não resolve. “O descolamento entre a classe política e a sociedade civil motivou uma certa ocupação de espaço pelo Poder Judiciário. Há um lado positivo: é que há demandas sociais que estão sendo atendidas pelo Judiciário. Tem um lado negativo: isso prova que o Legislativo não está conseguindo atender essas demandas”, avaliou, em “aula pública” sobre a judicialização da política.

Segundo o ministro, “para superar esses problemas o país precisa desesperadamente de uma reforma política que barateie o custo das eleições, (traga) um mínimo de autenticidade dos partidos políticos”. Ele disse esperar que a política volte a ter a importância institucional que lhe cabe. “Quando a reforma política vier, ela vai permitir que a política reocupe a maior parte do espaço que ela perdeu.”

Barroso declarou lamentar que haja essa distorção que, segundo ele, faz com que o Congresso não delibere sobre questões essenciais, principalmente direitos fundamentais. Em linhas gerais, ele expôs visão que já havia apresentado no plenário do Supremo em dezembro, ao votar a favor de acolher ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela proibição de doações eleitorais por empresas. O pedido já tem seis votos a um na Corte, mas um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu a apreciação. Caso a ação seja acolhida, ao Congresso será dado um prazo para que delibere sobre novas regras para contribuições de campanha.

“Quando as pesquisas de células-tronco foram aprovadas no Congresso, ninguém tomou conhecimento. Quando houve uma ação de inconstitucionalidade no Supremo contra a lei, houve um debate nacional. Isso é uma distorção que tem de ser enfrentada pela reforma política, porque o lugar de deliberação pública por excelência é o Congresso, e não o Supremo Tribunal Federal”, continuou Barroso, na conversa com estudantes. O STF autorizou as pesquisas com células-tronco em julgamento de 2008.

O ministro disse que, sob certos aspectos, atualmente o Poder Judiciário tem posturas mais progressistas do que o Legislativo. “Tenho uma tese de que no Brasil de hoje o Supremo, e o Judiciário, com todas as suas circunstâncias, está à esquerda do Legislativo.” Segundo ele, os empresários preferem que o Congresso elabore uma lei trabalhista por temer que um julgamento do Supremo resulte em normas “mais protetivas” do trabalhador.

Barroso disse que, nos casos em que a “decisão política”, do Executivo ou do Legislativo, seja compatível com a Constituição, o Judiciário não deve interferir. Mas quando um direito fundamental está em risco e o Legislativo não resolve a questão, o Judiciário tem o dever de atuar. “Foi o que o Supremo fez ao legitimar as uniões homoafetivas. O que vale na vida são os nossos afetos, e não os nossos preconceitos. Impedir que pessoas que se amem, independentemente da orientação sexual, vivam um projeto de vida em comum é uma forma autoritária de ver a vida”, criticou.

A votação sobre o direito ao aborto no caso de fetos anencéfalos é outro exemplo de intervenção necessária e exemplar do Judiciário e do STF em defesa dos direitos fundamentais. “Na reta final (do julgamento) eu ainda era advogado e tentei ampliar um pouco esse pedido para dizer que as mulheres têm direito de interromper a gestação porque este é um direito seu, é a sua liberdade reprodutiva que está em jogo. Esta tese não passou, ainda.”

O ministro disse discordar da afirmação de que o Judiciário “sempre atua de maneira contramajoritária” quando sobrepõe sua vontade à do Legislativo. “Porque às vezes a posição contra-majoritária pode ser a posição do Legislativo. Muitas vezes é o Judiciário que desemperra o processo político, como fez com as uniões homoafetivas. A matéria não era deliberada no Congresso, porque uma minoria poderosa conseguia paralisar a discussão. Certas minorias conseguem paralisar o processo político. Há casos em que o Judiciário precisa atuar como uma vanguarda iluminista, empurrar a história quando ela precise de um empurrãozinho.”

Para Barroso, a judicialização da política é um processo que se deu na medida em que as relações sociais foram se tornando mais complexas durante o século 20, principalmente depois da Segunda Guerra. “Até a Constituição de 1988 havia apenas uma forma de constituir família, que era pelo casamento. Agora, existem quatro: pelo casamento, pois não é proibido ser convencional; as uniões homoafetivas; as famílias monoparentais; e agora as famílias homoafetivas”, explicou.

Reforma do Judiciário

Questionado por alunos sobre sua opinião a respeito da reforma do Judiciário e a tese de juízes serem eleitos pelo voto, se disse totalmente contrário à ideia. “Eu acho o populismo judicial tão ruim quanto qualquer outro. Não tenho simpatia por eleições de juízes em nenhuma instância. No Brasil seria uma catástrofe. O modo de recrutamento de juízes no Brasil por meio de concurso público foi um salto.”

Para ele, em alguns aspectos, o Judiciário “se tornou mais representativo do que o Legislativo” e a carreira de juiz revela isso. “O acesso ao Judiciário hoje se dá por concurso público. E portanto qualquer bacharel em Direito que faça um estudo sistemático por dois ou três anos pode ser juiz. Na segunda metade da década de 1970 o Judiciário ainda era uma elite branca e relativamente abastada. Hoje, há uma democratização e qualquer bacharel em direito pode ser juiz. Para você se eleger (ao Legislativo) ao custo das campanhas eleitorais, você precisa ter um nicho ideológico que o apoie, cada vez mais raro, ou ter algum financiador ou interesse que o banque. No Judiciário o dinheiro não fala tão alto como no mundo da política.”

Ele afirmou ser favorável ao sistema atual de nomeação do ministro do Supremo pelo presidente da República e revelou ter chegado ao cargo “por acaso”. “Não tinha nenhum apoio político relevante, mas algumas circunstâncias da política tornaram oportuno nomear alguém que não tivesse vinculação política. E portanto chegou a minha vez.”

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