Marcus Ianoni*
Se tomarmos como referência o plebiscito sobre forma e sistema de governo realizado em 1993, então, há duas décadas a reforma política vem sendo discutida por forças da sociedade civil organizada, por forças partidárias, por deputados e senadores do Congresso Nacional, em arranjos institucionais participativos, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, nos meios de comunicação e assim por diante. Em geral, os avanços foram pequenos. Em uma trajetória gradualista, tem havido algumas mudanças político-institucionais, mas que não alteraram pilares fundamentais da estrutura do sistema político, como o padrão de financiamento privado das campanhas eleitorais e a personalização do voto nas eleições proporcionais.
Por outro lado, o processo de debates, eventos, seminários, mobilizações etc relacionados à reforma política tem envolvido, de maneira mais ou menos intensa, sindicatos, movimentos sociais – como estudantes, juventude, mulheres e negros – ONGs, intelectuais, universidades, bases partidárias, vereadores, prefeitos, deputados estaduais, federais, governadores, ocupantes de cargos públicos nas três esferas da federação, órgãos públicos, enfim, um amplo leque de atores, organizações e instituições. As ações pela reforma política têm sido inúmeras, têm reunido atores e ensejado a formulação de um conjunto diversificado de demandas.
Costurar consenso no processo da reforma política não tem sido fácil, seja na sociedade ou no Congresso Nacional. As demandas são muitas e, a cada proposta formulada por um grupo, ouve-se voz contrária de outro. Em alguma medida, as forças mais à esquerda têm algum acúmulo de reflexão e concordância em relação à mudança da lista aberta para a lista flexível ou fechada e sobre a substituição do financiamento privado pelo financiamento público exclusivo, assim como quanto à ampliação dos mecanismos de democracia direta e participativa. No Congresso Nacional, há também forças que não são da esquerda que apoiam o financiamento público e alguma modalidade de sistema proporcional com lista pré-ordenada, mas dão pouca importância às modalidades de democracia direta e participativa.
Na 54ª legislatura, iniciada em fevereiro de 2011, tanto o Senado quanto a Câmara fizeram comissões especiais para encaminhar a reforma política. Apesar de inegáveis, louváveis e competentes esforços de alguns parlamentares, como o do deputado Henrique Fontana, relator da comissão da Câmara, o ano de 2012 encerrou-se sem que ao menos o relatório final tivesse sido votado na comissão. Motivo: as divergências. Há um impasse político na reforma política, um balanço de forças que configura um quadro de paralisia decisória nas principais matérias em debate.
Nesse contexto, não é nenhuma novidade que o destravamento passa por mais mobilização e participação dos atores populares. Por outro lado, desde 2003, quase 80 Conferências Nacionais de Políticas Públicas e Direitos foram realizadas. A existência de conferências nacionais é anterior aos dois governos de Lula, mas, nessas gestões federais, elas deram um salto quantitativo e, em certa medida, qualitativo. Representam um importante impulso de inovação, embora ainda não consolidado, na promoção de um novo padrão de democracia, em nível federal, que combina a representação do sistema representativo com a participação do sistema participativo. Em geral, elas têm sido convocadas pelo governo federal (algumas são previstas em lei) por decretos, resoluções ou portarias ministeriais, mas, na história da criação de muitas delas, as forças da sociedade civil tiveram papel ativo em sua proposição e organização. Suas deliberações, obviamente, não têm caráter vinculatório e não necessariamente se desdobrarão em matéria legislativa no Parlamento. Mas várias de suas decisões têm contribuído para a formulação de políticas públicas e para a produção legislativa, inclusive com o respaldo ativo de alguns congressistas da oposição.
Entre outras iniciativas da sociedade civil, algumas entidades estão encaminhando a “proposta de iniciativa popular para a reforma do sistema político”, constituindo um dos movimentos que compreende que, sem pressão popular, a reforma política mantém-se em impasse decisório. Então, por que não combinarmos essa e outras iniciativas com uma “Conferência Nacional da Reforma Política”, convocada ou não pelo Executivo Federal, ou eventualmente pelo Congresso Nacional, precedida por conferências municipais e estaduais, que envolva as organizações da sociedade civil, parlamentares, partidos, enfim, todas as forças que, há mais de uma década, estão caminhando, sem parar, para abrir os difíceis caminhos da estrada da reforma política?
Em 2013 ocorrerá uma nova rodada de conferências nacionais. Os bancários estão dispostos a realizar a Conferência Nacional do Sistema Financeiro, mesmo não havendo respaldo governamental. Na 53ª legislatura, alguns parlamentares e partidos pensaram em aprovar uma Constituinte Exclusiva para tratar da reforma política. Lula retomou essa ideia em 2011. A “Conferência Nacional da Reforma Política” poderia propiciar unidade, renovação e fortalecimento do acúmulo de forças, produção de novos laços políticos e conhecimentos. Tais fatores, por hipótese, repercutiriam nas instituições políticas, ajudando a destravar essa almejada reforma, seja por matéria legislativa a ser produzida no Congresso Nacional ou em matéria constitucional de uma Assembleia Constituinte Exclusiva.
*Cientista político