BRASÍLIA – O avanço do combate à corrupção exige enfrentar o poder econômico, com o fim de doações privadas a campanhas eleitorais e a efetiva punição judicial de crimes do colarinho branco. As primeiras produzem laços não-republicanos entre agentes públicos e empresários que, não raro, terminam em fraudes. Já a impunidade dos ricos, em si mesma uma injustiça, cria um ambiente que fertiliza condutas corruptas.
A avaliação é do ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, uma espécie de vigia ético da República. Em discurso nesta sexta-feira (9) em evento pelo Dia Internacional contra a Corrupção, Hage fez um balanço das ações federais nesta área desde o governo Lula e aproveitou para apontar o que considera causas da corrupção e como neutralizá-las.
“Ninguém desconhece que as causas mais profundas da corrupção têm raízes em questões mais amplas, como o financiamento privado de campanhas e de partidos, o sistema eleitoral, os meandros da elaboração do orçamento público”, disse Hage. Para o ministro, há uma “urgente necessidade de reforma das leis processuais penais, que são, hoje, a principal garantia de impunidade”.
A eliminação das doações privadas para campanhas, que seriam substituídas pelo financiamento com dinheiro do orçamento público, numa espécie de investimento do Estado na democracia, foi uma decisão recentemente empurrada para o ano que vem, por uma comissão especial de deputados que debartia o tema há nove meses. Motivo: a maioria dos partidos não assimila bem a ideia, numa demonstração da força do poder econômico que a proposta busca combater.
Sabendo que é difícil que o próprio sistema enfrente a si mesma, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou neste ano com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que seja excluída da lei dos partidos o trecho que permite as doações privadas. A entidade tem a mesma avaliação de que este procedimento pavimenta a corrupção.
Para Hage, também seria importante acabar com o que ele considera excesso de recursos contra decisões judiciais, que na prática servem para adiar quase infinitamente a aplicação de penas, sobretudo quanto o réu em questão é rico, com dinheiro para gastar também eternamente com bons advogados.
O ministro defendeu proposta em discussão no Senado, de autoria do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que extingue a possibilidades de se apresentarem recursos extraordinário e especial contra decisões de tribunal colegiado de segunda instância – a corte julga depois de uma sentença individual de um juiz.
O relator do projeto, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), deu parecer favorável, embora com uma mudança: ele preserva os recursos, mas diz que o andamento deles não impede mais a execução da pena.
Para Jorge Hage, essa é uma das principais diferenças entre o Brasil e o mundo e que, às vezes, dá a ideia de que aqui tem mais bandalheira. “A corrupção não é um problema brasileiro, afeta todos os países do mundo, incluindo o setor público e as instituições privadas”, disse o ministro. “Mas há uma diferença extremamente importante entre os países: a sua capacidade de punir os crimes do chamado ‘colarinho branco’, ou seja, o crime de quem tem poder ou tem dinheiro.”
No discurso, o ministro citou como exemplo a prisão do milionário George Madoff nos Estados Unidos apenas poucos meses depois da descoberta das fraudes que praticava à frente de fundos de investimentos). “E ninguém disse que aquele país não é um estado democrático de direito, onde não são respeitadas as garantias individuais; ninguém disse que temos ali um ‘estado policialesco’”, afirmou Hage, em clara alusão à condenação do banqueiro Daniel Dantas e sua posterior soltura pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes
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Hage também voltou a defender a aprovação do projeto de lei, preparado pela CGU, que cria punições civis e administrativas contras empresas corruptoras. A propostas está tramitando numa comissão especial da Câmara e já passou por diversas audiências públicas, mas ainda não há um parecer final.
Fonte: Carta MAior