Há o desafio de se pensar em sistema de participação popular que abarque todas as formas organizativas da sociedade, afirma Moroni

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(leia aqui o texto). Com base nas informações disponibilizadas, a ABONG entrevistou o integrante do colegiadode gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Jose Antonio Moroni. O Inesc é uma organização que atua no aprimoramento da democracia representativa e participativa, pela articulação e fortalecimento da sociedade civil para influenciar os espaços de governança nacional e internacional.

 

 

ABONG – O texto trata de “canais criados ou ampliados para consolidar a democracia participativa no país”. Foram cerca de cinco milhões de pessoas envolvidas com conselhos (61 nacionais) e conferências (73), além de mecanismos como ouvidorias e mesas de diálogos. Quais sãos os limites e possibilidades da atuação nesses espaços, no que se refere à participação da sociedade na elaboração e gestão de políticas públicas?

Jose Antonio Moroni – Primeiramente, é necessário reconhecer que houve um aumento significativo nos últimos anos de espaços institucionais de participação. Um aumento numérico e também de temas, por exemplo, igualdade racial, políticas para mulheres, direitos humanos, LGBT (lésbicas,  gays,  bissexuais e transsexuais), juventude, etc. Isso é uma constatação. Mas até que ponto este aumento numérico significou um aumento do poder de quem participa nos processos decisórios? Isso ninguém sabe. Em outras palavras, este aumento significou que a população decidiu mais ou foram apenas espaços criados, mas com pouco poder de decisão? Outra questão necessária de se colocar é: quem está participando? Temos um problema sério nisso, pois acaba que quem participa são as pessoas que já estão envolvidas em organizações e movimentos, mas não conseguem dialogar com outros formatos organizativos presentes na sociedade, ou os chamados “não organizados”.

 

ABONG – Qual é a importância de cada um dos espaços e processos mencionados: conselhos, conferências, ouvidorias, mesas de negociação permanente e audiências públicas, e como eles se complementam?

Moroni – Aqui temos um problema sério: estes diferentes espaços não se complementam e nem dialogam entre si. Foram pensados de forma estanque, “cada um no seu quadrado”.  Estes diferentes espaços não estão articulados numa política pública de participação e muito menos num sistema de participação popular. Este deve ser o próximo passo a ser dado. Isso é urgente, senão corremos o risco de perder tudo o que  construímos, principalmente desde a Constituição de 1988. Se continuar esta falta de  articulação entre estes diferentes espaços e a fragmentação, corremos o risco de chegar à conclusão de que estes instrumentos não interferem em nada no processo decisório e, portanto, são descartáveis. 

ABONG – Menciona-se também, para além da participação relacionada a direitos econômicos e sociais clássicos, como saúde, educação, emprego, salário e proteção social, avanços em direitos de segmentos sociais específicos, tais como juventude e mulheres. Qual é a importância disso e quais são os desafios postos?

Moroni – Continua uma grande lacuna que é a real participação nas decisões  econômicas e do projeto de desenvolvimento. Não se tem espaços de participação institucionalizados para isso. Tem o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), chamado de conselhão, que é uma tentativa disso acontecer, e que cumpre um papel importante. Mas, não é espaço de participação popular. Sobre a questão dos  chamados “segmentos específicos”, não gosto deste termo, pois parece que eles estão colocados num patamar inferior, e não o são. Devem ser centrais no debate e na agenda política.  Penso que foi importante ter conferências nacionais nesses temas, mas acho que avançamos pouco na criação de uma agenda pública sobre eles. Na verdade, estes temas conseguiram alcançar o patamar de ser convocada uma conferência pela pressão dos próprios movimentos.

ABONG – Afirma-se que “os espaços de participação têm gerado oportunidades para atores sociais, grupos, movimentos, associações localizarem suas demandas. São grupos que, frequentemente, por representarem minorias políticas, têm grande dificuldade de levar suas demandas aos legisladores e formuladores de políticas públicas”. No entanto, a produção acadêmica no campo da saúde, por exemplo, afirma que os espaços institucionalizados de participação favorecem setores mais organizados, de modo que os grupos social e economicamente mais excluídos permanecem alijados de espaços participativos, gerando-se nova exclusão. O que pensa sobre isso e que tipo de políticas devem ser desenvolvidas para ampliar a participação popular?


Moroni – Não concordo com a afirmação de que estes processos geram oportunidades de canalizar as demandas destes grupos. Quem participa destes processos é um segmento da sociedade  muito bem organizado, como mencionei acima. Estão faltando os demais, as chamadas minorias políticas. Discordo de que estas “minorias”  são desorganizadas. Elas têm outras formas de organização e mobilização que o atual sistema não consegue perceber. Os critérios usados para se participar são excludentes, tais como, por exemplo, pertencer a grupos institucionalizados. Isso deixa muita gente de fora. O desafio é como pensar um sistema de participação popular que abarque todas as formas organizativas da sociedade e não apenas os institucionalizados. 

 

ABONG – O texto da revista do IPEA também afirma que por meio das conferências, conselhos, mesas de negociação, audiências públicas e outros canais, programas de governo e projetos polêmicos, como a transposição do rio São Francisco, “foram objeto de diversas audiências públicas nos municípios afetados”. Esse tipo de discurso não aponta para uma lógica de utilização dos espaços e processos participativos para legitimação de políticas previamente definidas? Como fugir dessa lógica e garantir efetiva participação e influência da sociedade na elaboração e gestão de políticas? 

Moroni – Esta  afirmação beira a má fé, porque dá a entender que a obra foi aprovada nessas audiências. Isso não estava em discussão. O governo já tinha tomado a decisão de fazê-la e o objeto das audiências era muito mais para se cumprir o que determina a lei do que realmente que a população decidisse. Uma obra como esta, a transposição do  rio São Francisco, deveria ser objeto de deliberação de algum instrumento da democracia direta: plebiscito ou referendo. 

ABONG – Aponta-se como importante os programas de formação de conselheiros. O desafio da democratização passa por processos de formação para atuação nos espaços institucionalizados? Como combinar a valorização desses espaços com a atuação informal, com lutas sociais que muitas vezes possuem uma lógica de enfrentamento à institucionalidade posta?

Moroni – Conheço poucos programas de formação de conselheiros, e geralmente os que existem, reforçam um preconceito contra a representação da sociedade civil, que ela e somente ela precisa ser capacitada para  a participação. E a representação  governamental, não precisa? Por quê? Sobre a atuação informal, com lutas sociais, penso que esses espaços institucionalizados precisam ser tensionados pelas lutas sociais, inclusive os espaços participativos. Não ocorrendo isso, acontece o que vemos hoje, esses espaços deixam de ser espaços de disputas políticas e passam a ser espaços burocráticos ou de ocupação de posição. Isso é a morte dos processos participativos.

 

Fonte: Informes ABONG

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