Entrevista

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Erundina, que já mudou de partido uma vez, quando migrou do PT para o PSB em 1998, vê essa situação como fruto do “caos partidário” em que se transformou a política brasileira e espera que a reforma política em processo no Congresso, da qual faz parte da Comissão Especial na Câmara, dê luz a mudanças que evitem manobras como essa.

 
 

Em 2002, a deputada participou de outra discussão de reforma política na Casa, que resultou em um projeto, mas que nunca chegou a ser votado pelas divergências entre os partidos e as bancadas. “Sem a maior participação da sociedade não se conseguiu até hoje condições políticas no Congresso para se chegar a um resultado de reforma política.”

 
 

CartaCapital: A senhora disse que sairá do partido caso os rumos pretendidos pelas lideranças do PSB, de se unir ao novo partido do prefeito Gilberto Kassab, realmente aconteça. Ainda mantém essa posição agora que essa possibilidade parece mais real?

 
 

Luiza Erundina: Eu me manifestei naquele momento e de lá para cá nenhuma liderança do partido veio falar comigo afirmando ou negando o que possa acontecer. As informações que eu tenho são essas vinculadas pela imprensa. Eu não tenho nenhuma informação oficial. As instâncias estaduais partidárias ainda não se reuniram e essa questão ainda não foi objeto de nenhuma reunião. Eu estou na expectativa, como vocês. Imagino que vai ter dificuldades de natureza legal, porque não sei se a justiça eleitoral vai aceitar esses procedimentos que estão sendo adotados. Há a impressão declarada que esse é o meio de mudar de partido sem incorrer infidelidade partidária. Essa fusão com o PSB, segundo o Kassab, já seria para ter efeito nas eleições de 2012. Eu não vejo nenhuma coerência e explicação para que se possa juntar dois partidos, um que ainda nem existe, mas que é parte de um outro que está se dividindo, para ir para um partido cuja história, compromissos e programas são opostos do ponto de vista ideológico, programático e de sua origem aos deste novo partido. Eu não consigo viver neste partido se isso ocorrer, mas espero que diante dessas dificuldades legais, ou mesmo a possibilidade do partido vir a decidir de forma diferente, alguma coisa possa mudar, mas eu estou na expectativa.

 
 

CC: A senhora vê isso como uma desvirtuação da orientação ideológica do PSB?

 
 

LE: Com certeza. Eu duvido que essa força que vai se incorporar ao PSB vai se comportar nos princípios programáticos, ideológicos e políticos do partido. Eu não sei o que eles acham, por exemplo, da reforma agrária, da defesa pelas 40 horas semanais de trabalho e de outras tantas bandeiras que são opostas a estes outros que tem origem no DEM.

 
 

CC: Como a senhora vê, especificamente, essa mudança de orientação das lideranças, entre elas o presidente do partido, o governador Eduardo Campos, em se alinhar a políticos de direita, uma vez que o PSB tem uma herança muito forte da esquerda.

 
 

LE: Não é nenhuma consideração de ordem ideológica para explicar ou justificar essa movimentação. A única inferência que podemos fazer, digo inferência porque ninguém veio falar comigo sobre as razões desse projeto, de incorporação ou fusão de um partido arranjado com outro que tem mais de sessenta anos, um histórico de compromissos com a democracia, de luta por liberdade, que ficou inclusive fora da legalidade em duas ocasiões, na ditadura Vargas e depois na militar. É um partido que tem um compromisso real e que pagou caro na defesa da democracia, dos direitos humanos, da liberdade, enfim, que são princípios socialistas. Só posso imaginar que a motivação para esse projeto deve ser de natureza eleitoral, pragmática, que não leva em conta esses outros aspectos. Esse tipo de movimentação tem sido a marca da política brasileira: esvaziamento dos partidos nesse sentido de identidade ideológica, programática e política.

 
 

CC: Na questão da reforma política, a senhora que faz parte da Comissão Especial na Câmara, quais são os seus principais objetivos?

 
 

LE: Eu inclusive estou ajudando a construir uma frente parlamentar pela reforma política para a participação popular. Já tinha uma outra aqui na Casa, que funcionou a quatro anos atrás, que acompanhou o outro processo de discussão sobre a atual política na Câmara. Agora, essa frente é reformada em um caráter misto, ou seja, com a participação de deputados e senadores, além da participação de dezenas de entidades da sociedade civil. Ontem mesmo estive em uma audiência em Cuiabá, no Mato Grosso, na OAB para discutir a reforma política. Eu tenho a expectativa que esse processo de discussão de fato corrija as distorções do nosso sistema político, como as normas partidárias, apresenta alterações que dentro delas exista saída para esse caos nas relações partidárias, ou seja, destes projetos, como o do Kassab, fruto, a meu ver, deste mesmo caos deste sistema político exaurido e que precisa passar por profundas mudanças. Espero que eu e meus colegas de Casa consigamos chegar a uma solução para estes políticos que estão completamente insatisfeitos com esse projeto, como eu.

 
 

CC: Como a senhora vê as principais discussões da reforma política, como o fim da reeleição e do voto facultativo?

 
 

LE: Esses são pontos que estão sendo tratados no Senado. Aqui na Câmara, que começou o trabalho depois da comissão no Senado, estamos discutindo o sistema eleitoral. Vejo um mau começo na discussão por terem sido criadas duas comissões que funcionam com dinâmicas distintas. No Senado eles têm um prazo de 45 dias enquanto na Câmara temos 180 dias, com a intenção de envolver neste debate a sociedade civil. Aqui na Câmara, nós pretendemos realizar ao menos uma audiência pública em cada região do país. Nós estamos mais lentos porque enxergamos um sistema político e, portanto, as mudanças terão que ser mais profundas para realmente alterar os vários aspectos deste sistema, guardando entre si uma coerência.

 
 

CC: Particularmente, quais são suas intenções dentro da comissão?

 
 

LE: Eu venho participando deste debate desde 2002, que já teve uma comissão especial, que concluiu os seus trabalhos em 2005 e apenas em 2007 veio a ser pautada no plenário da Câmara, mas não chegou a ser votada. Todos afirmam que essa reforma é prioritária, é a reforma das reformas, mas quando se chega na hora do vamos ver, ou seja, de propor mudanças estruturais em nosso sistema político, termina não acontecendo pelo conflito de interesses entre os parlamentares, os partidos e as bancadas. Sem a maior participação da sociedade não se conseguiu até hoje condições políticas no Congresso para se chegar a um resultado de reforma política.

 
 

CC: Quais foram as conclusões que aquela comissão especial chegou?

 
LE: Aquela comissão resultou em um projeto. Ele previa a votação em lista pré-ordenada, com a alternância de gênero e articulado com o financiamento público, por entender que só é viável financiamento público com lista fechada. Previa também o fim das coligações, a criação da federação de partidos, em que três ou mais partidos se juntam mantendo a identidade de cada um deles para disputar em uma determinada eleição. A federação reduzia grande parte do prazo do mandato para qual essa federação tenha disputado, seja legislativo ou executivo. É uma série de pontos, que guardam entre si uma lógica, que se fosse aprovado avançaria muito. Finalmente começaríamos a dar passos concretos em uma reforma política que iria alterar substancialmente alguns aspectos do sistema político eleitoral e partidário do nosso país. E eu concordo com todos esse pontos.
 
 
Fonte: Carta Capital – Bruno Huberman
 
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