Talvez para algumas de vocês aqui hoje, eu sou a face de um de seus maiores medos. Porque eu sou mulher, porque eu sou negra, porque eu sou lésbica, porque eu sou eu mesma.”
Audre Lorde
Audre Lorde, mulher negra, lésbica, intelectual e feminista estadunidense, em seu texto “Não há hierarquia de opressão”, nos chama atenção para uma importante e séria reflexão: “Dentro da comunidade lésbica eu sou negra, e dentro da comunidade negra eu sou lésbica. Qualquer ataque contra pessoas negras é uma questão lésbica e gay por que eu e centenas de outras Mulheres lésbicas e gays, somos negras. Qualquer ataque contra lésbicas e gays, é uma questão negra, porque eu e centenas de lésbicas e gays somos negras. Não há hierarquia de opressão”.
Lorde nos adverte para a necessidade e importância de lançarmos um olhar interseccional sobre as opressões. É preciso entender que determinados grupos, pessoas, vivem uma encruzilhada de opressões, como os negros gays afeminados, quase nunca lembradas, que se encontram no meio do racismo, da homofobia e do sexismo.
Tenho afirmado que a maior armadilha das múltiplas violências que pessoas negras, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e pessoas intersexuais vivem, é a negação da própria identidade.
Assim sendo, ratifico que a maior estratégia de combate às violências, é a afirmação das formas plurais de constituição das personalidades/nossas identidades.
Não se trata de uma tarefa fácil. Historicamente, o modelo de normalidade, de ideal social, são homens brancos, heterossexuais, católicos, podendo usufruir de todos os privilégios que a branquitude lhes permite.
No atual cenário político, o discurso do ódio e a certeza da impunidade imperam. Os tímidos canais de diálogo entre o movimento LGBTI e governo, estão seriamente ameaçados.
Não é por acaso que a campanha do atual presidente foi pautada por declarações atentatórias à democracia, a favor da tortura, da ditadura, além de constantes declarações racistas, machistas e discriminatórios contra a população LGBTI.
Algumas provocações para o debate:
01. Seria possível que o atual governo mantivesse as políticas públicas (poucas) pró-LGBTI? Um governo que se coloca contra, de forma militante, aos direitos sexuais, de gênero e reprodutivos e às políticas afirmativas assegurará direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e inetersexo?
02. Como um governo que foi eleito tendo como uma de suas bandeiras centrais acabar com os “privilégios” (leia-se direitos) da população LGBTI e com as políticas educacionais pró-diversidade sexual e de gênero pode vir a fazer algo concreto para a promoção de direitos da nossa população?
03. Como já adiantou a nova secretária, jurista e católica conservadora: um dos objetivos do novo ministério é reforçar a “ordem social”. Essa afirmação, por si, é centralmente oposta à ideia de pluralismo, liberdade sexual e de gênero. A criação de um Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, pretende afirmar e impor que só existe um tipo de família a ser referendada e protegida pelo Estado, a patriarcal, monogâmica, heteronormativa. Esta política nega a existência real de diversas formas e constituições familiares da contemporaneidade. Para onde ir, o que fazer?
Ainda assim, não vamos cruzar os braços. Lutamos pelo direito à vida. Muito já avançamos.
A escolinha Maria Felipa, de educação infantil de Salvador, na Bahia, foi questionada recentemente sobre professor trans e a resposta foi surpreendente.
A conversa foi compartilhada nos perfis da instituição privada nas redes sociais e acabou repercutindo na web, com mais de 4 mil compartilhamentos. “Vocês tem um professor trans na escola, né?”, pergunta a pessoa. Após a confirmação da escola, dizendo que o educador é um “excelente profissional”, o interlocutor segue com outra pergunta: “Não que eu concorde, mas você não acha que isso pode ter diminuído o numero de matriculas de vocês?”, sugere. A escola responde: “Quem acha que uma pessoa trans, apenas por ser trans, não pode educar seu filho não merece a nossa escola.”
É disso que estamos falando! Sigamos junt@s.
Benilda Brito
Odara – Instituto da Mulher Negra