Muito se avançou nas últimas décadas no reconhecimento das juventudes como sujeitos políticos diversos. Além das Conferências Nacionais de Políticas Públicas de Juventude (2007 e 2011), o Estatuto da Juventude, promulgado em 2013, vem condensar importantes diretrizes para a promoção da autonomia e direitos da juventude brasileira por meio de políticas públicas.
Cerca de um quarto da população brasileira tem entre 15 e 29 anos. Quando falamos em juventudes, no plural, queremos dizer que é preciso reconhecer a diversidade destes 50 milhões de jovens, que pertencem a diferentes regiões do país, alguns no campo, outros na cidade, são jovens mulheres, homens e trans, que também diferem em sua raça/cor e orientação sexual. As diferenças vêm acompanhadas de desigualdades: em um país racista, machista e com enorme concentração de renda e riqueza como o Brasil, as juventudes são experimentadas de forma muito desigual. De acordo com Regina Novaes (2015)[1],
Quando se considera a situação territorial dos jovens em determinados espaços urbanos e as questões de gênero e raça, especialmente as diferenças de situação socioeconômica, aí a desigualdade se apresenta de forma mais explícita.
Por exemplo, a juventude negra hoje no Brasil é vítima de dramáticas estatísticas: cerca de 20 mil jovens negros são mortos no país anualmente vítimas de armas de fogo, ou da “guerra às drogas”. De acordo com o Mapa da Violência 2016, se no ano de 2003 foram cometidos 13.224 HAF [homicídios por arma de fogo] na população branca, em 2014 esse número desce para 9.766, o que representa uma queda de 26,1%; em contrapartida, o número de vítimas negras passa de 20.291 para 29.813, aumento de 46,9%[1].
Estudo feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), aponta que 68% da população das penitenciárias femininas são mulheres negras, enquanto apenas 31% são de cor branca e 1% é indígena. O relatório aponta ainda que 49% da população penitenciária feminina do País têm menos de 29 anos e 50% possui apenas o ensino fundamental incompleto.[2]
Também são as jovens negras que mais morrem vítimas do aborto inseguro[3], que faz uma vítima a cada dois dias no país[4], ainda que segundo as pesquisas[5], mulheres cristãs, brancas e de classe média também recorram à prática.
A juventude indígena e quilombola também experimentam realidades complexas, residentes muitas vezes em territórios rurais que sofrem grande pressão externa por invasões, ameaças de ocupação pelo agronegócio e por grandes projetos enérgicos, como mineração. Atualmente, no Brasil, são mais de 2 mil territórios quilombolas e 240 povos indígenas de diferentes etnias, somando cerca de 600 mil pessoas. A diversidade cultural e o direito aos territórios originários, no caso dos povos indígenas, ou aos territórios tradicionalmente ocupados, no caso dos quilombolas, são constantemente ameaçados pelo modelo de desenvolvimento econômico insustentável e predatório.
A juventude rural conta com um plano específico, o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, lançado em 2016, que prevê políticas públicas de promoção de qualidade de vida, acesso à terra, geração de trabalho e renda, visando criar condições para a permanência no campo e a emancipação socioeconômica e política. Muitas vezes, o jovem rural, por falta de acesso à terra e condições de produção, acaba migrando para os centros urbanos e se fixando nas periferias e favelas.
No urbano, além da questão da violência que atinge diretamente a juventude negra, há questões como falta de acesso aos serviços públicos, ao transporte, educação de qualidade espaços para o lazer. Com a elevada taxa de desemprego, os jovens recorrem ao mercado informal, o “corre”, muitas vezes deixando de frequentar a escola e sem perspectivas para entrada na Universidade. Aqueles que conseguem acessar a educação superior por meio do sistema de cotas, que atende classes baixas e também pessoas negras e indígenas, enfrentam dificuldades com o fim das bolsas de permanência – impacto da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os gastos públicos por 20 anos –, e os que conseguem se formar, encontram um mercado de trabalho em contexto de recessão econômica.
A juventude LGBTI também se encontra em risco no Brasil, e também tem os seus direitos cerceados pela discriminação. A Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) estima que cerca de 6% das vítimas de estupro que procuraram o Disque 100 do governo federal em 2012 eram mulheres lésbicas. E, dentro desta estatística, havia um percentual considerável de denúncias de estupro corretivo. Quando as questões das identidades se interseccionam a situação é ainda mais grave, ou seja, se às mulheres cis brancas heterossexuais são negados direitos fundamentais, no caso de mulheres lésbicas e mulheres trans a negação é maior, e se forem negras, a vulnerabilidade é total .
Também é importante pensar na questão da gordofobia, uma discriminação com pouca visibilidade na sociedade, até mesmo nos movimentos sociais, e que provoca impactos severos em jovens, como distúrbios alimentares e a depressão .
Na política, os jovens estão sub-representados, e não chegam a 10% das candidaturas válidas nos últimos pleitos nacionais. A boa notícia é que no segmento juventude, a proporção de mulheres é maior: em 2018, 51% de mulheres na faixa de 20 a 24 anos (242 candidatas) e 44% na faixa de 25 a 29 anos (435 candidatas). Os homens são maioria nas faixas de 65 a 69 anos, com 74% (913 candidatos) e 72% na faixa de 60 a 64 anos (1.671 candidatos) .
É importante registrar, ainda, que a juventude está organizada politicamente, seja para a defesa de direitos – como o passe livre estudantil, os direitos sexuais e reprodutivos, LGBTI e o direito à educação –, seja para disseminar ideias da extrema-direita em ascensão no Brasil e no mundo – como é o caso de organizações liberais, anti-feministas e neo-fascistas .
A juventude negra, historicamente organizada, segue resistindo, tanto por meio de expressões culturais como o Hip Hop e o arte-vismo (ativismo por meio da arte), quanto dentro das universidades. E também criando estratégias para eleger mandatos populares de mulheres negras: Talíria Petrone e Aurea Carolina, foram eleitas deputadas federais pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente; e Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro, que trabalhavam como assessoras da vereadora Marielle Franco, se elegeram deputadas estaduais pelo Rio de Janeiro; além de Erika Malunguinho, mulher, negra e trans, eleita para deputada estadual por São Paulo. Também foi eleita Joenia Wapichana, primeira mulher indígena a ocupar um cargo de deputada federal, e única representante indígena no Parlamento atual.
Questões para debater
- 1. Como as juventudes vivenciam a política hoje no Brasil?
- 2. O que seria um sistema político inclusivo para as juventudes?
- 3. Que questões/propostas temos para serem incorporadas na Versão III da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político?
- 4. Fortalecer a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político: com quem mais devemos dialogar?
Referências:
[1] Juventudes e as Desigualdades no Urbano. Le Monde Diplomatique – encarte especial. 2015.
[2] https://www.mapadaviolencia.org.br/
[3]http://ittc.org.br/a-cada-duas-mulheres-presas-no-brasil-duas-sao-negras/
[4] https://azmina.com.br/reportagens/precisamos-falar-de-aborto-e-como-ele-mata-mulheres-negras/
[6] De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) realizada pela Anis em 2016, “Ainda segundo o trabalho, cerca de 48% das mulheres que abortaram completaram o ensino fundamental, e 26% tinham ensino superior. Do total, 67% já tinha filhos, 56% eram católicas e 25% protestantes ou evangélicas.” https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/02/politica/1533241424_946696.html
[7] Para aprofundar este debate, ver o artigo 8 de Março para Luana e Veronica, Inesc, 2017:
https://www.inesc.org.br/8-de-marco-para-luana-e-veronica/
[8] Para aprofundar este debate, ver o vídeo Gordofobia:
https://www.youtube.com/watch?v=nLSpG38VWPk e o vídeo O que é gordofobia?
https://www.youtube.com/watch?v=NUyfj82OoRg
[9] https://www.inesc.org.br/eleicoes-2018-novas-candidaturas-velhos-desafios/