Democracia não deveria combinar com desigualdades socioeconômicas. Quanto maiores as desigualdades, mais a política estará controlada pelos que ocupam o topo da pirâmide social: homens brancos e ricos.
As mulheres são as grandes responsáveis pela sustentação material da vida de milhões de pessoas no Brasil. O trabalho doméstico, o trabalho informal, o trabalho do cuidado com crianças e idosos – esse conjunto de ações são vitais para a vida. E precisam ocupar um papel protagônico quando falamos de democracia econômica. Lembrando que a base da pirâmide social brasileira é composta por mulheres negras. São as mais empobrecidas entre os mais pobres.
Democracia como soberania popular implica que a economia – os meios de produção e o modo de gerir e produzir aquilo de que precisamos em nossa casa comum – seja definida pelo conjunto da sociedade e não pelos grandes grupos econômicos e seus representantes.
Democratizar a economia significa que seu objetivo não seja o “crescimento econômico” e sim a sustentação e a melhoria da vida do conjunto de seu povo. Uma economia democrática deve ter como objetivo atender às necessidades e aos interesses da totalidade da população, em especial dos setores mais vulneráveis. O planejamento orçamentário precisa ser composto a partir das reais necessidades do povo. Hoje, quase 50% do orçamento do país vai para o pagamento de juros, amortização, além da rolagem (refinanciamento) da dívida pública.
Além disso, é crescente a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. Os setores mais pobres da população geram maior quantidade de recursos para o Estado, com pagamento de impostos altos, enquanto as empresas recebem quantias enormes em renúncia fiscal e a licença de uso de nossos recursos naturais para produção voltada exclusivamente ao lucro de poucos ricos. Este modelo só reforça as desigualdades e concentra as riquezas.
Democratizar a economia
Nosso diagnóstico é que as classes dominantes agem para aprofundar a separação entre quem produz e quem decide para onde vai o que foi produzido. Quanto mais essa separação é reforçada, menos a economia é democrática e mais desigual é a sociedade.
Um dos principais instrumentos usados para manter essa separação é a ideia de que a economia não é assunto de política, pois, supostamente, as pessoas comuns não entendem de economia. Assim, a política econômica deve ser exclusividade de especialistas, de banqueiros, e com isso, a credibilidade e boa gestão estariam garantidas.
Nós reforçamos essa separação ao aceitarmos esse discurso.
É preciso superar a ideia do campo da economia, da política econômica, como uma área acessível somente à elite, a economistas e banqueiros, da qual o povo não pode participar – porque, supostamente, não entende.
Mesmo os governos democrático-populares que tivemos a trataram assim: criaram áreas de participação em alguns setores: Conselhos de Saúde, de Educação, da Criança e do Adolescente… -, mas jamais permitiram que houvesse participação no debate sobre a política econômica.
Por exemplo, os governos progressistas não fizeram processos participativos na área econômica, ao contrário do que ocorreu em outras áreas (saúde, educação, assistência). Os mecanismos de controle social sobre os bancos públicos e grandes empresas extrativistas foram ínfimos. O Comitê de Política de Política Monetária (Copom) detém o monopólio sobre o destino do Brasil.
Mesmo as iniciativas positivas que esses governos apresentaram – bolsa família, economia solidária, agricultura familiar, segurança alimentar – não foram pautadas no centro da política econômica.
Por outro lado, não temos pautado nos movimentos sociais, sindicatos e frentes a questão da democratização da economia. Pensamos que é essencial colocar esta pauta nas nossas lutas, universalizar esta exigência.
Como criar um conjunto de instituições e funcionamento políticos e democráticos que não sejam capturados pelo poder econômico em suas mais variadas formas (empresas, judiciário, poderes religiosos)?A ideia “de baixo para cima” é fundamental.
Podemos encarar a economia em duas esferas: uma esfera onde se produzem os recursos coletivos e uma esfera onde se decide o que fazer com esses recursos. Quanto mais estas duas esferas estão separadas, mais alienados do processo decisório estão aqueles que produzem. Um exemplo disso é quando a gente fala que as pessoas não entendem de economia: o saber popular é desvalorizado. Ora, são as pessoas que fazem a economia. As pessoas comuns, muitas vezes, sabem mais do que os gestores.
Por isso, os processos participativos na economia precisam estar legitimados, estruturados e precisam ser obrigatórios/vinculantes.
É preciso pensar instituições que viabilizem a superação dessa separação entre quem produz e quem decide para onde vai o que é produzido. É preciso contemplar o fortalecimento dos processos em que os trabalhadores podem intervir e participar das decisões.
E as decisões tomadas pelos trabalhadores, pelos cidadãos, sobre estas matérias, têm de ter um caráter vinculante.
Por exemplo, decisões sobre privatização de recursos públicos, de empresas de serviços públicos, de estatais, têm de ser submetidas à decisão da população.
Qual o projeto de “desenvolvimento econômico” que queremos? Antes de decidirmos qualquer aspecto da política econômica, temos de decidir sobre o projeto: desenvolvimentismo, neodesenvolvimentismo, “progresso”, extração de recursos naturais, “bem viver”?
Questões para debater
- 1. Qual o projeto de “desenvolvimento econômico” que queremos?
- 2. O que fazer para que o poder econômico não determine o sistema politico e a construção das políticas públicas?
- 3. Que mecanismos devemos criar para que as instituições democráticas não sejam capturadas pelo poder econômico?