Mulheres negras e comunicadoras mostram suas potencialidades nas eleições 2020

Na contramão da hegemonia branca nos meios comunicacionais, mulheres negras assumem o destaque na mídia política

Por Iasmin Monteiro

Quem tem o controle da mídia, consegue expor e alavancar muitos discursos que, muitas vezes, não representam a população excluída pela sociedade. Esse “poder” está nas mãos de pessoas que não condizem com a realidade brasileira, já que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 56% da população é negra, porém os donos dos meios de comunicação são pessoas brancas e, grande parte, de família tradicional.

O cenário do jornalismo no Brasil, em porcentagem, nos traz uma reflexão ainda maior. Um estudo feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostrou que há cerca de 23% de pessoas negras na área de comunicação. Esse é um panorama para entendermos porque muitas pautas, principalmente em relação ao povo preto, não são tratadas com um olhar diferenciado – falta representatividade na profissão.

Nas comunicações de campanhas eleitorais a diferença também é visível. Durante anos, víamos apenas homens comandando as coordenações de comunicação, nas assessorias, no setor do audiovisual, publicidade e, com a chegada da internet, as redes sociais. Porém, este ano, além do surgimento de diversas candidaturas coletivas, compartilhadas e diversas, também tivemos um elemento desafiador: a pandemia do novo coronavírus. Dessa forma, as campanhas precisaram reinventar a forma que essa comunicação seria feita,  como chegar em mais pessoas com um conteúdo atrativo, e de fácil entendimento, e quem poderia estar inserida na comunicação dessas campanhas, com um olhar popular e de forma expansiva.

A jornalista, doutora em história e professora Márcia Guena, que foi coordenadora de comunicação do Mandato Coletivo Pretas/os, LGBTQIA+ e Periféricos em Juazeiro-BA, aponta como ter mulheres negras, com consciência racial, nesses ambientes antes dominados por homens brancos, é essencial, e que não devemos parar de exigir representatividade nos espaços de poder. “É uma luta muito importante, justa e necessária, e que precisamos enfrentar, principalmente nós, intelectuais negras. A gente precisa romper com essas violências que são impostas pelo sistema, ainda mais em uma conjuntura política que tenta desfavorecer as nossas pautas. Sendo assim, eu me sinto uma guerreira por coordenar a comunicação de uma campanha tão forte e necessária”, contou.

Márcia Guena – Foto/Arquivo Pessoal

Nas campanhas das cidades interioranas, por exemplo, é comum que pessoas de fora (até mesmo do estado), sejam chamadas para compor a comunicação e, como sempre, homens brancos levam o destaque. Porém, quando mulheres negras, que conhecem o dia a dia da cidade e enfrentam situações de machismo, racismo e misoginia estão inseridas nessa comunicação, elas conseguem expandir até mesmo as propostas políticas, para que o maior número de pessoas sejam tocadas e sintam que aquela candidatura pode lhes representar.

Márcia também pontua que essa expansão de pensamento traz forte expressividade nas campanhas. “A gente consegue ver além, no sentido das estruturas racistas, apontar onde está a ferida, a violência racial contra as mulheres e toda a população negra. Uma profissional negra e com consciência racial, tem uma percepção bastante diferente, compreende o racismo estrutural e sabe que a nossa sociedade pós-colonial, precisa ser pensada a partir do lugar que estabeleceu diversas violências contra o nosso povo”, afirmou.

Profissionais negras quebram diversas estruturas racistas e machistas ao serem colocadas em posição de liderança e visibilidade, ainda mais neste contexto eleitoral, onde as pessoas estão atentas a todas as peças de produção que são veiculadas. Ter a liberdade e a confiança para fazer este trabalho, faz a criatividade ser fluida e essas mulheres, que antes não eram vistas, encontram a oportunidade de explorar o talento para a sua área de formação.

A jornalista e videomaker, Lidiane Gadelha, trabalhou no audiovisual de uma campanha nas eleições 2020 em Remanso, cidade que fica no sertão baiano e, por ser uma mulher negra, sabe como foi desafiador enfrentar olhares racistas e julgadores. Porém, ela encontrou em sua equipe, respeito e força para poder mostrar que este espaço do audiovisual também é lugar para mulheres negras. “Eu estou em uma equipe que as pessoas me ouvem e validam o meu trabalho. Por conta disso, eu consigo ser criativa, produtiva e tive acesso a pessoas muito importantes. Criei laços e me tornei conhecida, tanto é que eu e uma amiga, passamos por uma situação de assédio da oposição e fomos muito acolhidas, inclusive, pelas autoridades”, relatou.

Lidiane Gadelha – Foto/Arquivo Pessoal

Quando a mulher negra sai de uma base opressora e consegue estabilidade no topo, mostra como são necessárias oportunidades para que isso aconteça. Lidiane também fala sobre a importância de mulheres como ela estarem nessa posição e não mais, somente, servindo a hegemonia branca. “Eu me sinto uma representante muito importante, porque a maioria das mulheres negras que eu vi aqui na cidade onde estou trabalhando, são faxineiras, cozinheiras e não as vejo em posição de destaque. Sinto que a posição que eu estou ocupando, acendeu uma chama de esperança para que elas também possam alcançar patamares mais altos”, disse.

Há, ainda, um longo caminho para que a comunicação do Brasil transpareça a sua população, mostrando como essas mulheres negras podem estar em redações, coordenações de campanha, sendo editoras-chefes entre tantas outras áreas da mídia. Infelizmente, essas mulheres ainda precisam se destacar dez vezes mais que uma mulher branca para ser reconhecida.

Com o surgimento das campanhas coletivas, compartilhadas e cheias de diversidade, ficou claro que essas mulheres sabem o espaço que querem ocupar, que o ato de se comunicar é um poder e que elas estão inseridas neste contexto para revolucionar, principalmente, a forma como o povo preto é visto na sociedade. Ter mulheres negras na comunicação de uma campanha é ter um olhar visionário e aberto a diferentes causas e formas de falar com a população. Essas mulheres conhecem a dor e de onde vêm as feridas do povo excluído pela sociedade, contar com elas, é dar um basta no sistema patriarcal e hegemonicamente branco, que a população brasileira está inserida. É preciso construir pontes e abrir caminhos para a igualdade de raça e gênero.

Este post tem um comentário

  1. Marília

    Parabéns pela pauta e pelo texto, Iasmin Monteiro!

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